4. O outro Luc

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"Eu... eu... nem eu mesmo sei, nesse momento... eu... enfim, sei quem eu era, quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias vezes desde então."

Lewis Carroll

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Eu nunca pensei que seria tão fácil convencer alguém de que eu estava tão doente que era impossível eu ir trabalhar naquele dia. Ou melhor, nunca passou pela minha mente que uma fingida dor de cabeça, faria com que alguém — meu suposto esposo, diga-se de passagem — me olhasse com extrema preocupação e dissesse que ele mesmo avisaria meu chefe — sim, eu sou um subordinado, como já tinha previsto —, deixando-me no quarto sozinho por alguns minutos e voltando em seguida com um delicioso café da manhã na cama — dando-me direito a apreciar torradas com geleia de frutas, um suco de laranja natural e um pequeno crossaint de queijo – e um remédio para a dor que eu supostamente sentia.

Se esse seria o tratamento que eu receberia todos os dias, até que não seria uma má ideia estar casado.

Meu sorriso se abriu malicioso e dei uma mordida em uma de minhas torradas, observando Harvey deixar de lado uma jaqueta e virar em minha direção, fazendo com que eu tivesse que assumir mais uma vez minha expressão abatida — olhos caídos, sorriso triste e um leve bico tomando conta dos lábios.

— Estou me sentindo tão mal que não sei nem se conseguirei me levantar dessa cama hoje — dramatizei, usando toda minha habilidade das aulas de teatro do colegial. Eu estava tentando evitar que Harvey me pedisse para lavar roupas, fazer o almoço, limpar a casa e alimentar aquela cachorra cujo nome era Sirene, sabe-se Deus porquê.

O rapaz de olhos esverdeados apenas deu risada, deixando-me sem graça, aquele bastardo, e apenas vestiu um suéter escuro, mostrando suas irritantes covinhas.

— Eu sei exatamente o que está tentando fazer e não irá funcionar. Essa sua dor de cabeça está te tornando um tremendo de um preguiçoso, amor. — Ele riu e minhas bochechas ficaram vermelhas pelo constrangimento. Talvez ele não fosse tão idiota assim. — Vou querer pelo menos que você prepare o almoço, já que voltarei para casa para almoçar com você.

— Mas eu não sei cozinhar — disse cansado, pois, de modo algum, eu iria cozinhar. Eu até poderia fazê-lo, porém meu suposto marido acabaria morrendo envenenado, eu seria processado, preso e ficaria mais encrencado ainda

Luc Dramático Christopher Thornton, prazer.

— Sei — Harvey disse sorrindo e, em seguida, se aproximou e beijou carinhosamente a minha testa. Inferno! Como ele podia sorrir tanto? O que acontecia para tanta felicidade? — Já que ficará em casa, buscarei as crianças no horário de almoço para que elas não precisem ficar na escola no contra-turno--

— Ei — exclamei exasperado e me afastei dele. Seu peito estava na altura do meu nariz e eu me encontrava naquele momento levemente, talvez exageradamente, embriagado pelo seu cheiro. Tentei focar minha atenção no que realmente importava ali. — Aí já é sacanagem. Vou ficar em casa cozinhando, cuidando de Sirene e ainda terei de brincar com as crianças durante toda a tarde?

— É — Harvey disse coçando a nuca e com as sobrancelhas franzidas. Dei um sorriso mental esperando que ele, pelo menos, deixasse as crianças na escola o dia inteiro. — Isso soa muito bom para uma segunda-feira. — Espere... O quê? — Mas não se preocupe comigo. Isso não é, hm, sacanagem... você só está doente e merece um pouquinho de descanso e curtir um tempo com as crianças.

Encarei-o boquiaberto, sem sequer acreditar no que ouvia.

Ele estava falando sério?

Porque, se fosse, eu teria de dizer que o conceito de descanso que Harvey tem é total e irrevogavelmente diferente do meu.

Destino EstranhoOnde histórias criam vida. Descubra agora