18. Pé direito

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"Lar não é de onde você é, mas de onde você encontra a luz quando tudo escurece."

- Pierce Brown, Filho Dourado

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Peguei as chaves da caminhonete e dei uma olhada irritada e rápida para Harvey que se enrolou durante toda a manhã apenas para tomar um pouco de café e preparar torradas para as crianças. Havia uma grande quantidade de suco de uva derramado na toalha branquinha que se encontrava em cima da mesa e os brinquedos espalhados na sala de estar quase me fizeram cair de cara contra o chão.

Meu dia não tinha começado com o pé direito, definitivamente.

— Estou indo. Adeus! Vocês me atrasaram o suficiente para uma vida toda.

— Exagerado — Harvey disse em voz baixa e meus olhos se estreitaram em sua direção, fazendo-o sorrir e rir um pouco em seguida.

Revirei os olhos e dei as costas, já prestes a abrir a porta, porém sendo impedido por um "ei" que Harvey soltou para mim.

— O que foi? — perguntei cansado, tombando a cabeça para o lado e fazendo uma careta.

Harvey começou a caminhar em minha direção e, impaciente, eu bati o pé no chão de modo rápido, pois estava com pressa e isso só estava apenas me atrasando. Ele, no entanto, se aproximou no instante seguinte e inclinou sua cabeça para frente, sorrindo docemente e deixando seus lábios encontrarem os meus.

Eu, como o bom não cumpridor de promessas que era, fechei os olhos e correspondi o beijo calmamente, quase deixando as chaves do carro caírem sobre o chão e permitindo que meus dedos percorressem os braços de Harvey e chegassem aos cabelos de sua nuca.

— Nos vemos mais tarde, amor — Harvey disse em um sussurro após se afastar de meus lábios, deixando-me ali parado pateticamente de olhos fechados e com as mãos congeladas na mesma posição.

Por fim, acabei abrindo meus olhos lentamente e deixei minhas mãos caírem ao lado de meu corpo, percebendo em seguida que me encontrava de boca aberta e um pouco sem ar.

Eu estou realmente muito perdido.

Tive de pigarrear para que minha voz voltasse ao normal e respirei fundo uma, duas, três vezes antes de conseguir fazer minhas pernas se movimentarem em direção à porta.

— Tchau, papai. Bom trabalho. Amo você — Lily gritou da cozinha, sentada em sua cadeira, quase desaparecendo debaixo da mesa e com a bochecha suja de chocolate.

Ela acenou para mim e achei tão engraçado o modo como ela estava, que me distraí e acenei entusiasmado para ela, fazendo uma careta para provocar seu riso.

— Também amo você. — E foi naquele momento que aquelas malditas palavrinhas escaparam de minha boca, sem que eu pudesse fazer absolutamente nada para impedi-las.

Maldição!

Estou louco?

Era o estresse afetando meu cérebro?

Estava sob o efeito de drogas?

Eu não amo aquela garotinha. No máximo sentia carinho e o fato dela estar com seu rosto todo coberto de chocolate me cativava.

Mas amar?

Amar?

Amor não. Aí já era demais.

Quis morder minha própria língua ou pisar em meu próprio pé para lidar com todo o meu constrangimento, mas fiz o que qualquer pessoa em sã consciência faria. Dei um sorriso torto, girei o corpo e tropecei no tapete, voltando a andar em direção a porta e a abrindo em seguida.

Destino EstranhoOnde histórias criam vida. Descubra agora