DANIELLA - CINQUENTA E QUATRO

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Eu não conseguia descrever a sensação que sentia. Perdi as contas de quantas vezes neguei a mim mesma a informação que Gustavo havia me dado. No fundo, eu não queria acreditar; para mim, não podia ser verdade. Analiz, minha filha?!

Passei a noite inteira em claro, rolando de um lado para o outro, atormentada pela revelação. O peso dessa verdade esmagava meu peito. Algo que nunca consegui entender, uma sensação incômoda, como se algo dentro de mim arranhasse, doía todas as vezes que eu provocava Analiz, todas as vezes que a desprezava. O ódio que eu nutria por ela, o rancor que me guiava, agora fazia cada ferida pulsar com culpa.

Por que, se eu a odiava tanto, sentia aquele desconforto em cada ação? Agora eu sabia. E esse saber, esse entendimento que finalmente havia caído sobre mim, era o mais amargo de todos.

Eu queria me esconder, queria me isolar e me afogar na dor da descoberta. Mas meus deveres como enfermeira-chefe me forçaram a sair de casa. Uma ligação de Joana, uma das enfermeiras, me lembrou que havia papéis que precisavam da minha assinatura. Levantei mecanicamente, me vesti e fui ao hospital, mesmo sentindo que o chão sob meus pés não era sólido.

Assim que atravessei as portas de vidro da entrada, o hospital parecia diferente. Havia um silêncio, uma calma incomum. Eu sabia o motivo: boa parte da equipe estava se preparando para o casamento de Analiz.

Meus passos ecoaram pelo corredor, quando ouvi uma voz familiar às minhas costas.

— Bom dia, Sra. Lamarck.

Sempre que ouvia meu sobrenome de solteira, sentia uma pontada no peito. Agora, oficialmente separada de Gustavo, não havia mais razão para carregar o "Hernandez". Lamarck parecia estranho e distante.

— Bom dia — murmurei, indo direto ao ponto. — Quais são os papéis?

Joana me entregou uma pilha de documentos. Assinei cada página com a mente distante, os dedos pesados. Foi então que ouvi uma voz que me fez congelar.

— Joana, já verifiquei a senhora do quarto 12, coloca uma enfermeira para cuidar dela por favor? Já estou bem atrasada para o casamento.

Era Poppy. Ouvi-a se despedir com a habitual gentileza. No passado, éramos inseparáveis. Mas isso foi antes de tudo... antes de Mirela e Felipe... antes do distanciamento.

Respirei fundo, me obrigando a falar.

— Poppy. — Minha voz saiu mais fraca do que eu esperava.

Ela parou, mas não se virou. Por um momento, fiquei apenas observando suas costas, rígidas e tensas. Agatha havia me contado que ela sabia de tudo, que todos eles sabiam, e para ser sincera, de todos, saber que ela sabia e não me contou, foi decepcionante. Aquilo apertava ainda mais a dor que sentia. Me aproximei, e quando falei de novo, minha voz carregava toda a amargura da revelação.

— Gustavo me contou — sussurrei, mais próxima agora, sabendo que ela entenderia. — Sobre a Analiz.

Poppy permaneceu imóvel, e por um instante, achei que ela ignoraria minhas palavras. Mas então, ela se virou lentamente, seus olhos encontrando os meus. Seu rosto estava calmo, mas frio. Uma distância impenetrável separava nossas antigas versões das que agora se encaravam.

— Ele te contou, foi? — Sua voz era dura, sem nenhum traço de surpresa ou arrependimento. — Eu sabia que um dia ele o faria.

As palavras dela caíram como um peso sobre mim. Eu sentia a dor de anos de amizade desfeitos entre nós. Por mais que quisesse, não consegui esconder a mágoa.

— Você sabia esse tempo todo, Poppy. Sabia que Analiz era minha filha. E não me disse nada! — As palavras saíram carregadas de dor, mas também de incredulidade. — Como pôde me esconder algo assim? Como pôde me deixar viver todos esses meses no ódio... achando que ela... que ela estava...

Poppy deu um passo à frente, o olhar dela cortante como uma lâmina.

— Como? — ela repetiu, a voz baixa, mas afiada. — Eu não te disse porque prometi ao Gustavo que a verdade viria dele, e apenas dele. E também porque... — Ela hesitou por um momento, então me encarou de frente, sem remorso. — Porque você não estava pronta para ouvir.

Suas palavras me atingiram com força. Eu não estava pronta para ouvir? Eu? Senti a raiva fervendo em meu peito.

— Eu não estava pronta? — Repeti, minha voz trêmula. — E você acha que agora eu estou? Depois de tudo? Depois de tudo que fiz a ela?

— Você fez suas escolhas, Daniella. — Poppy cruzou os braços, a postura rígida. — Você deixou o ódio te consumir. Eu vi você se transformar numa pessoa que eu mal reconheço. Você sempre culpou os outros pelos seus problemas. Você culpou Analiz, e mesmo agora que sabe a verdade... não pode desfazer o que fez.

Eu tremi com o peso das palavras dela. Ela estava certa. Eu sabia disso. Eu me deixei levar por meses de ressentimento, acumulando mágoas, desconfiando de todos, achando que Analiz queria roubar Gustavo de mim. E agora... descobri que ela era nossa filha. A filha que eu deveria ter amado e protegido.

— Você sempre foi minha amiga... — murmurei, a voz falhando. — Como pôde simplesmente me abandonar? Não se importou comigo? Com o que eu estava passando? Com o que minha própria filha estava sofrendo?

Poppy me encarou, seu olhar gélido.

— Eu me importei, Daniella. Mais do que você pensa. Mas depois de tudo o que aconteceu entre Mirela e Felipe, eu percebi que você não estava interessada em ouvir ninguém. Não era a mulher que eu conhecia. Quando Gustavo teve o infarto, foi o momento que me fez ver o quanto você mudou. E sinceramente? Eu não queria estar por perto para ver até onde isso iria.

As palavras dela foram um soco no estômago. O nome de Mirela ecoou entre nós como um fantasma. Minha filha e o marido dela. Eu sabia que isso havia destruído o casamento de Poppy, e, de certa forma, a nossa amizade também.

— Eu perdi minha filha, Poppy. — As lágrimas finalmente começaram a descer por meu rosto. — Ela desapareceu, e tudo o que restou foi o vazio. O vazio e o ódio. E agora... agora que sei a verdade, que sei que Analiz é Aurora... não posso fazer nada. Não há nada que eu possa fazer para corrigir o que fiz.

Poppy me olhou por um longo tempo, como se estivesse considerando o que dizer. Quando finalmente falou, sua voz era firme, mas havia uma pequena faísca de tristeza.

— Não posso te dar o perdão, Daniella. E Analiz... Aurora... ela também vai ter que tomar essa decisão sozinha. Mas uma coisa é certa: você vai ter que viver com as consequências de suas ações. E isso, é algo que você terá que enfrentar sozinha.

Fiquei ali, parada, sentindo a dor das palavras de Poppy afundarem em minha alma. Ela se virou e foi embora, sem mais nada a dizer. E eu? Eu fiquei sozinha com o peso das minhas decisões. Com o arrependimento de tudo o que havia feito e com o vazio da verdade que, agora, não me deixava espaço para o perdão.

Analiz, minha filha, Aurora, estava perdida para mim. Mesmo sabendo quem ela era, eu havia cavado um abismo entre nós. E não havia nada que eu pudesse fazer para mudar isso. Eu não sabia se algum dia ela me perdoaria.

E pior: não sabia se eu mesma conseguiria viver com essa culpa.

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