fifty seven

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Quando meu pai finalmente chegou meu estômago deu um nó tão apertado que senti vontade de vomitar, ele sempre teve esse efeito em mim, desde pequena, o simples som da voz dele mudava o clima da casa, eu sabia que Maya estava tentando me acalmar com a mão dela descansando na minha, mas o nervosismo tomava conta de mim.

Vicenzo DeLuca o homem que era uma lenda no mundo da medicina, mas que trouxe tanto caos para a nossa família, ele sempre foi brilhante, ninguém pode negar isso mas sua bipolaridade não tratada transformava o brilho em tempestades imprevisíveis.

Assim que a porta se abriu e eu o vi entrar, ele estava com a mesma postura altiva de sempre, o mesmo olhar que me fazia sentir como uma criança indefesa, como se tudo o que eu fazia fosse insuficiente para ele, ele entrou sem hesitar seus olhos percorrendo a sala até que finalmente pousaram em mim, por um segundo eu vi o velho Vicenzo, meu pai mas logo seus olhos endureceram.

— Carina.

Ele pronunciou meu nome como se fosse apenas uma obrigação, nada de afeto, nada de saudade, como se eu fosse uma decepção constante.

Papà. — minha voz saiu mais baixa do que eu esperava.

O clima entre nós dois era pesado, quase sufocante eu conseguia sentir a tensão em cada célula do meu corpo, eu sabia o que ele pensava de mim, sabia o que ele pensava da minha escolha de carreira, de vida, e, acima de tudo, da minha escolha de amar mulheres mas dessa vez eu tinha Maya ao meu lado, e isso me dava forças... mesmo que eu soubesse que ela também estava preocupada.

E então, ele notou Maya.

Aspetta un momento... — ele franziu a testa claramente surpreso. — Você... você parece familiar.

Eu olhei para Maya surpresa, sem saber o que esperar.

— Eu? — Maya respondeu, educada mas cautelosa.

— Sim... — ele disse se aproximando um pouco mais. — Já nos conhecemos antes, em Milão. — Ele fez uma pausa e eu podia ver que ele estava tentando lembrar. — Foi em um hospital, eu estava realizando uma cirurgia, uma operação complicada e você... você estava fazendo algum tipo de trabalho voluntário lá.

Maya arregalou os olhos surpresa mas logo um sorriso educado apareceu em seus lábios.

— Ah, sim! Eu fiz voluntariado em Milão durante uma das minhas viagens com a equipe olímpica, eu me lembro dessa época.

De repente, algo mudou no rosto do meu pai, ele não parecia mais o homem frio que eu esperava pelo contrário, havia um brilho em seus olhos, um brilho de reconhecimento e de forma quase inacreditável aprovação.

— Atleta olímpica, claro! — ele exclamou como se de repente tudo fizesse sentido. — Maya Bishop! — ele olhou para mim com um sorriso que não via há anos. — Você está com uma mulher de sucesso, Carina, agora, isso... isso faz sentido.

Eu senti meu coração afundar, ele estava sorrindo mas as palavras dele me atingiram com força. Para ele, o fato de eu estar com Maya uma atleta famosa era a única razão para ele considerar nossa relação aceitável? A validação dele dependia exclusivamente do sucesso dela?

Maya sempre diplomática sorriu e apertou a mão dele, mas eu podia sentir a tensão crescendo dentro de mim, meu pai nunca aceitou o fato de eu ser bissexual, durante anos ele criticou minhas escolhas, minha carreira, minha vida e agora, apenas porque Maya era uma figura pública bem-sucedida, ele decidia que estava tudo bem?

— Maya, uma atleta olímpica... — ele continuou, em perceber o quanto suas palavras me feriam. — Isso sim é um verdadeiro exemplo de sucesso, uma mulher de garra, foco, disciplina, muito bem, Carina finalmente você fez algo certo.

Finalmente, eu fiz algo certo? O que isso queria dizer sobre todas as outras decisões que tomei na minha vida? Ele sequer entendia o que essas palavras faziam comigo? E pior ele não fazia ideia do quanto ele estava me magoando nesse momento, elogiando Maya enquanto me diminuía.

— Você escolheu uma mulher que tem valor, Carina. Maya Bishop é uma mulher digna de admiração, agora, eu entendo o que você viu nela.

Papà, isso não é sobre o sucesso de Maya. — eu disse com a minha voz firme. — Não estamos juntas por causa da carreira dela, eu a amo pelo que ela é, não porque ela ganhou medalhas ou porque é famosa.

Ele me olhou, surpreso com a minha reação, talvez ele esperasse que eu apenas aceitasse seus elogios a Maya e ficasse feliz com isso mas não era assim que eu me sentia.

— Carina... — ele começou mas eu o interrompi.

— Você nunca aceitou quem eu sou. — continuei tentando manter minha voz firme, apesar da dor que sentia. — Nunca aceitou a minha carreira, o fato de eu amar mulheres e agora, de repente, porque Maya é famosa, você decide que está tudo bem?

Ele ficou em silêncio por um momento claramente sem saber o que responder, eu podia ver a confusão nos olhos dele como se não entendesse o porquê de eu estar tão chateada.

— Eu... — ele começou, mas antes que pudesse dizer mais alguma coisa, Maya o interrompeu

— Vicenzo, eu agradeço muito pelos elogios — ela começou sua voz tranquila mas carregada de uma seriedade que ele parecia não perceber. — Mas eu preciso ser honesta com você, eu não sou mais uma atleta olímpica.

Eu prendi a respiração, não queria que ela tivesse que falar sobre isso agora, sempre foi um assunto delicado para ela e ver como ela lidava com isso agora, na frente do meu pai, me fez admirar ainda mais sua força.

Meu pai olhou para ela com uma expressão confusa claramente sem entender.

— O que quer dizer com isso? — Ele perguntou suas sobrancelhas se franzindo.

Maya manteve o olhar firme.

— Há um ano, eu sofri um acidente uma lesão séria. — ela hesitou por um breve segundo, mas continuou. — Eu não posso mais correr, minha carreira como atleta olímpica acabou.

O silêncio que se seguiu foi pesado, eu vi a surpresa nos olhos do meu pai mas o que me preocupava era como ele lidaria com essa revelação. Ele sempre valorizou o sucesso acima de tudo, eu não sabia como ele reagiria ao fato de que Maya não era mais a pessoa que ele estava idealizando em sua mente.

— Isso não muda quem eu sou — Maya continuou sua voz firme mas gentil. — Eu ainda sou a mesma pessoa, e encontrei novos caminhos para seguir mas não é isso que importa agora, o que eu quero que você entenda, Vicenzo, é que sua filha, Carina, é extraordinária.

Meu coração disparou quando ouvi Maya dizer isso, e eu olhei para ela, sentindo as lágrimas brotarem nos meus olhos, ela não precisava fazer isso mas ali estava ela, me defendendo, me erguendo.

— Ela está no hospital mais conceituado de Washington — Maya disse com o tom orgulhoso de quem fala sobre alguém que admira profundamente. — Carina é chefe do departamento de Ginecologia e Obstetrícia, ela é uma médica incrível, dedicada, e todos que trabalham com ela a respeitam profundamente e isso é algo de que você deveria se orgulhar, Vicenzo.

Meu pai ficou em silêncio e eu podia ver a surpresa e talvez até o choque no rosto dele, ele sempre me desprezou por escolher essa especialidade, como se fosse irrelevante mas ouvir Maya, uma mulher que ele claramente admirava falar sobre mim com tanto orgulho talvez estivesse mudando algo em sua cabeça.

Maya continuou sem dar espaço para ele interromper.

— Eu entendo que você valoriza o sucesso e isso é bom eu também valorizo, mas o sucesso não é medido apenas por medalhas ou prêmios, Carina salva vidas todos os dias, ela faz a diferença na vida de tantas mulheres, de tantas famílias e isso é algo incrível. eu a admiro muito por isso.

Meu pai olhou para mim e eu podia ver a confusão em seus olhos, ele parecia estar processando tudo o que Maya tinha dito como se finalmente enxergasse algo que estava diante dele o tempo todo, mas ele nunca havia prestado atenção.

— Carina... — ele começou mas sua voz estava mais suave, menos crítica. — Eu... não sabia.

Amizade Colorida - Marina Onde histórias criam vida. Descubra agora