09. Vazia e pesada.

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ARABELLA

Acordar com a sensação de que tinha algo estranho acontecendo, como se algo ruim estivesse ocorrendo ou já tivesse ocorrido. Essa sensação me acompanha desde o momento em que abri meus olhos aqui no rancho, já eram quase quatro horas da tarde, como sempre "dia de folga" eu aproveito e durmo até mais tarde, às 12h, por exemplo.

Desci do cavalo, alisando sua crista antes. Quando finalmente estava dentro da casa da bisa Judy notei que o clima não era dos melhores, minhas sensações pareciam ter acertado mais uma vez. Porém ao avistar uma senhora, em um conjunto rosa claro e de cabelos brancos em pé no meio da sala, senti os meus pelos se eriçarem. O que a mãe do Max está fazendo aqui? Foi a primeira pergunta que me surgiu a mente.

Rapidamente a Judy veio em minha direção, sua expressão eu não soube decifrar, parecia consternada com algo. Meu pai também estava ali, apenas os três além de mim. Vó Judy me segurou pela mão, puxando-me até o centro da sala, onde estava a Gertrude, mãe do Max. Eu não sentia ódio ou raiva dela, eu sentia vergonha, porém ela estar ali fazia eu me sentir pressionada, ela sempre foi uma mulher legal, uma vó postiça maravilhosa.

— Gertrude veio aqui hoje nos entregar isto. — Rapidamente minha vó me entregou um envelope, não olhei de imediato mesmo ele sendo colocado em minhas mãos. Ouvi um "olhe" e então me foquei no papel. Tinha um endereçamento, claramente não era pra mim. "Desculpe mamãe, Max". Senti minhas pernas falharem, então me sentei no sofá mais próximo.

— Sei que minha visita não é desejada, nem eu esperei nunca estar numa situação dessas, porém assim que foi confirmada a morte de Max eu quis vir aqui, antes, porém, fui até a polícia. Essa carta em suas mãos, na verdade é uma cópia que eu pedi. Não estou querendo em nenhum momento te constranger, mas foi à carta que Max deixou-me para ler, depois da sua morte. — Finalmente ela se pronunciou, respirei fundo tentando entender tudo.

—Pensei que ele estivesse bem, de alta. — Murmurei, com a carta ainda inviolada em mãos.

— Ele ingeriu uma dose alta demais do remédio que o médico o receitou, depois sofreu duas paradas cardíacas, não resistiu. Sei que você não é culpada de nada, criança. Na verdade eu me sinto envergonhada pelo meu filho, porém eu senti a necessidade de vir aqui. Sobre a Evangeline, bem, essa continua completamente viva. Não entendo o que fiz para ter filhos assim, eu os dei tanto amor... — O final da frase sussurrada, uma lágrima solitária descendo pela sua bochecha.

Fiquei em silêncio, esperando que alguém mais falasse. O que não ocorreu, fiquei encarando o papel em minhas mãos e os sons ao meu redor simplesmente sumiram, durante grande parte desse segredo sujo guardado, que eu não contei a ninguém, eu tinha relapsos de querer explodir, contar ao mundo e gritar tudo o que eu tinha sofrido. O abuso em si, pode não ter ocorrido o ato sexual, porém ele me destruiu da pior forma possível. Ele tirou de mim uma confiança que eu não consigo ter em outras pessoas com facilidade, nem do sexo feminino e raríssimo do sexo masculino. Eu não conseguia abraçar meu próprio pai, com medo.

E quando eu me tornei uma antissocial de primeira, passava meses sem sair de casa, e muita gente me denominou como "estranha", ver meu pai falando que eu deveria parar de ser altiva e ser mais sociável com o Max simplesmente me destruía ainda mais, eu sabia que se o meu pai não sabia de nada era por simples e irrevogável culpa minha. Eu que me calei. Eu que decidi que deveria sofrer tudo, porém não queria vê-los sofrer. Eu não queria ninguém me olhando como se eu fosse ainda mais uma aberração, "oh ela foi abusada pelo irmão da madrasta".

Ao olhar ao redor notei que apenas meu pai estava encostado numa estante com alguns livros, suspirei profundamente. Às vezes eu queria que esquecesse tudo, que eu acordasse um dia e não se lembrasse de nada. Eu confesso que durante muito tempo desejei a morte dele, queria vê-lo morto e sabia que não iria derramar nenhuma lagrima. Mas naquele instante ali, eu me senti vazia. Levantei-me passando pelo meu pai indo em direção para o meu quarto, fechei a porta e fiquei ali.

Arabella ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora