Prólogo - Apenas um contrato

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O trem seguia seu trajeto tranquilamente, em velocidade.

Na cabine do maquinista, dois homens conversavam coisas vãs, sem muita importância, apenas para passar o tempo. O trem de carga de dez vagões seguia pelos trilhos da linha interurbana, passando pelo trecho que cortava um dos bairros do norte de Honorário, no meio de uma floresta, sentido sul a quarenta quilômetros por hora. O dia estava quente e seco, o sol solitário num céu sem nuvens raiando por toda a região.

-...que chegou até a me assustar – dizia um dos rapazes, que vestia o uniforme da empresa de transportes, camisa cinza e uma calça escura. – Quase que sofro um infarto. Não quero nunca mais passar por isso.

O maquinista, que vestia o mesmo uniforme, riu. Mas então parou subitamente. Sua expressão mudara drasticamente para uma de espanto. Seu companheiro percebeu a mudança e olhou para frente, procurando o motivo daquele olhar assustado. Alguns metros adiante havia um homem parado de frente para o veículo, calmo como se o fato de o trem estar vindo não o incomodasse.

- Merda! – o maquinista ficou desesperado, não daria tempo de frear. Estava muito em cima. Começou então a buzinar, tentando expulsar o "suicida": um homem muito alto e muito musculoso também, que vestia uma regata branca e usava um chapéu de cowboy muito simples por cima dos cabelos longos. Suas botas eram esquisitas, como se o indivíduo estivesse interpretando algum personagem de filmes de faroeste, e olhava para os dois rapazes muito sério e sombrio.

BAAM! BAAM!..., o trem continuava a buzinar. O homem não se movia. Os dois rapazes estavam desesperados. Não sabiam mais o que fazer.

E surpreenderam-se quando a frente da locomotiva bateu contra o peito do grandalhão e cedeu, as rodas saindo para fora dos trilhos enquanto os vagões caíam desajeitados para as orlas da floresta. Era como se estivessem atingindo uma montanha.

Gritaram, desesperados, enquanto o veículo capotava de lado. O "suicida", por outro lado, permaneceu no mesmo lugar, tão tranquilo quanto antes.

Vários minutos depois e a região já estava rodeada de viaturas da polícia e helicópteros de emissoras de TV. Era grande a multidão de curiosos, pessoas que moravam nas fazendas e favelas ao redor. Todos incrédulos observando uma cena extraordinária, dez vagões capotados fora dos trilhos com suas portas escancaradas. Estavam vazios.

- A polícia ainda não sabe o que realmente aconteceu – um dos repórteres falava diante de uma câmera, ao vivo, enquanto mostrava a cena trágica. – No momento do incidente havia dois homens na locomotiva, sendo um deles o condutor do comboio, levado às pressas ao Hospital Jardim Soraya, enquanto seu companheiro passa bem. O homem sofreu ferimentos leves fisicamente, mas diz à todo momento que o responsável pelo capotamento foi um homem com roupa de vaqueiro, parando o veículo usando apenas a força bruta. A polícia suspeita de uma ocorrência imprevisível na parte mecânica da locomotiva, ainda sem convicção pelo menos até a perícia chegar. O que ninguém sabe é o quê que aconteceu com a carga que o trem transportava. Alega-se que mais de duas toneladas de açúcar foram saqueadas enquanto o veículo estava desprotegido. Nenhum dos moradores dos arredores viu algo ou alguém suspeito, mas garantem que esse foi o primeiro incidente ocorrido na região nos últimos setenta anos. Assim que tiver novidades voltaremos novamente. Marcelo. – O repórter despediu-se e a câmera fechou para o apresentador do telejornal do Estado, que continuou o programa dizendo que cobriria o incidente ao mesmo tempo.

A televisão que ficava próxima ao balcão era o centro das atenções dos clientes que comiam na lanchonete. Numa das mesas, ainda como se nada tivesse acontecido, o cowboy assistia ao noticiário com um palito de dente na boca. Seu rosto era áspero e sua barba era rala, mal feita.

- Gostei muito de suas habilidades – disse alguém que estava sentado à sua frente, uma voz muito baixa e rouca. O cowboy o encarou, seu rosto arrogante mostrando um pequeno traço de surpresa.

- E o que você tem com isso?

O estranho riu, uma risada frágil e maligna.

- Um místico de aluguel não é visto por aí todo dia – disse ele, voltando a ficar sério. – Quanto te pagaram para derrubar aquele trem? Dez mil? Vinte? Garanto que posso pagar muito mais para fazer um serviço bem mais fácil.

O místico analisou bem aquele homem. Não parecia ser nenhum milionário, mas algo nele despertava uma sensação ruim. Não era possível ver seu rosto devido à má iluminação da lanchonete, porém era fácil saber que o indivíduo não passava de um velhote mal acabado, suas mãos enrugadas e suas roupas fedendo a idoso de asilo. E quando fez menção de se levantar, o velhote levantou a mão:

- Conheço a sua história. Um menino do campo que descobriu seus poderes ainda na infância. Não demorou para começar a ser desprezado pelo medo das pessoas, sentindo-se sozinho e desamparado. Perdeu os pais num acidente de trabalho, mas isso é o que todos diziam. Esse menino viu o que realmente aconteceu: pessoas estranhas e assassinas que tinham espadas como armas e olhos amarelos como marcas. – Nesse momento, o velho olhou para o cowboy, seus olhos amarelados brilhando em seu rosto mesmo em meio à escuridão de onde estava. O místico trincou os dentes, furioso, mas o caçador sorriu.

- Sim, mostre a sua raiva. Você odeia a minha raça tanto quanto eu. Não vai ganhar nada se me matar, não sou ninguém na sua vida. Apenas um estranho que está lhe oferecendo um contrato, apenas isso. Não aparento ter dinheiro? Óh, fica em paz, não gosto de esbanjar glamour. Minhas prioridades são outras – e olhou tão seriamente para o místico que o mesmo sentiu-se interessado. Do que ele estava falando?

- Que serviço é esse? – perguntou, sentindo-se atraído para aquilo. – E quanto vai me pagar?

- O serviço é simples – respondeu o velho. – Logo passo os detalhes. Quanto ao salário... Vejamos. Que tal quinhentos mil? – o cowboy não conteve a surpresa, arregalando seus olhos verdes ligeiramente. – É pouco? Ok, um milhão de dólares. Um milhão de dólares para você me servir por apenas alguns meses.

O velho sorriu. Sabia que o místico não pensaria mais.

- Fechou – respondeu ele, por fim. – Onde começo?

- Aqui mesmo, em Honorário.

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Caçador Herdeiro (4) - Luz Envolvente | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora