40 - A especialidade

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Fracote talvez fosse mesmo a palavra certa que resumia todo o meu passado. Incontáveis vezes apanhei em lutas que envolveram: místicos, vampiros, caçadores e o meu melhor amigo, Natsuno. Tyler e Shin haviam dito na minha cara que eu era fraco, e mesmo o Riku sem a transformação talvez me venceria – porque eu acreditava que ele fosse mais forte que o Natsuno, e como o Natsuno me derrotou...

- Um erro do seu pai foi ter escondido de você sobre o mundo em que vivemos por tanto tempo, e graças a isso o treinamento que você recebeu foi o que chamamos de básico – Hara disse, caminhando para algum lugar que eu sequer imaginava, visto que o cenário à nossa volta era o mesmo – gramado infinito e um céu inteiramente branco, sem nuvens ou sol –, e tudo não passava de uma ilusão criada pela Yasmim. Deduzi que Hara estava alongando as pernas numa caminhada. – Você aprendeu as artes marciais com o seu tio Michael, um método que seu pai utilizou mais para proteção do que para caçada. O que eu quero dizer é que você não recebeu um treinamento adequado para tornar-se um Caçador de Vampiros, ao contrário do Riku ou do Natsuno.

Ele parou. Virou-se para mim e mostrou-se calmo, porém muito sério. Com o dedo indicador, tocou a minha testa, e de repente não estávamos mais naquele "cenário tranquilo". O que estendia-se à nossa volta era completamente diferente: havia casas, separadas por ruas tranquilas, sem tanta movimentação de carros ou pessoas, debaixo de um céu completamente cinzento, carregado por nuvens pesadas; era dia. Notei que estávamos no meio de uma das ruas, e a cidade à minha frente não parecia muito ampla, visto que era possível ver enormes montanhas rochosas nas suas extremidades, e uma ventania muito forte atingia não só a minha pele, como também o toldo de alguns comércios em volta e as pessoas que caminhavam pra lá e pra cá.

- Onde estamos? – perguntei, olhando para Hara e Yasmim, ambos olhando para algo que estava atrás de mim. Eu me virei e vi uma entrada entre dois muros enormes. Os muros estavam pinchados com letras esquisitas, típicas de otários que não têm o que fazer. A entrada era composta por um portão de ferro arreganhado, uma placa velha com os dizeres NO TIRAR LOS DESECHOS. Hara adentrou no terreno e nós o seguimos, gritos ecoando por toda parte.

- Direita! – bradava a voz de um homem.

- Há! – alguém meio que respondia.

- Esquerda! – o homem gritava novamente. E novamente uma voz mais fina correspondia, muito valente:

- Há!

- Direita!

- Há!

- Esquerda!...

Os gritos vinham de duas pessoas que estavam no meio do terreno abandonado, sozinhas, um homem com um bastão atacando um garoto que o bloqueava, com as pernas, demonstrando grande elasticidade e uma velocidade surpreendente. O rapaz gritava "Direita!" enquanto atacava, e o garoto chutava o bastão com a sola do pé direito, meio que o bloqueando, girando o corpo a tempo e esticando muito bem a perna que defendia. O rapaz gritava "Esquerda!", e o garoto chutava com o pé esquerdo. E assim sucessivamente.

E meu coração acelerou quando chegamos perto o suficiente e pude ver quem eram os dois. Hara parou e o alcancei, o encarando com um ar de espanto. Ele, no entanto, apenas assistia à cena, como se quisesse que eu fizesse o mesmo.

- Direita!

- Há!

- Esquerda!

- Há!

O rapaz do bastão tinha cabelos loiros e era corpulento, vestindo uma jaqueta marrom de couro por cima de uma camisa preta e calça jeans. Ele possuía olhos puxados e tinha a pele marcada por cicatrizes – o inconfundível coreano assassino e covarde que eu conhecia: Shaong Kabeiyama, pai do Shin. O garoto, por sua vez, era magro e pequeno. Tinha cerca de oito ou nove anos, e seus cabelos azulados e escuros caiam até o seu pescoço, lisos e repicados, a mecha branca destacando-se em sua testa. Ele vestia moletom cinza e também calça jeans, embora suas pernas se movimentassem com extrema elasticidade: o meu amigo sombrio Riku Medeiros.

Caçador Herdeiro (4) - Luz Envolvente | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora