42 - Os olhos que anulam a dor

298 36 37
                                    

Levantei esperando por uma lambida do Billy.

Não aconteceu.

Tateei o criado-mudo ao lado da minha cama para desligar o despertador.

Não havia criado-mudo; nem mesmo despertador.

Pestanejei e apurei minhas vistas para tentar me adaptar ao clarão da janela que dava visão à floresta.

Não havia janela.

E então me lembrei de onde estava: meu subconsciente, uma tenda num paraíso criado pela Yasmim, o céu tão branco que parecíamos estar numa luz envolvente.

Olhei para o lado e o arco estava lá, assim como a aljava, indicando que aquilo tudo não fora mesmo um sonho. Eu me perguntei se não precisaria escovar os dentes, ou talvez tomar um banho, visto que ontem acabara soando com tantas flechas mal lançadas. Definitivamente, não queria ficar fedendo perto da Yasmim – e eu realmente não estava.

Eu me levantei me espreguiçando e peguei os objetos no chão, saindo para fora e notando que Hara e Yasmim estavam sentados à uma mesa, tomando café.

- Acordou tarde, hoje – disse o Guardião, sem me olhar, apenas comendo o seu pão francês e dando um gole no café.

- Que horas são? – perguntei.

- Quase dez da manhã – informou Yasmim, que vestia a mesma roupa da última noite (camisa que, de alguma forma, escondia suas asas e saia que nem chegava aos joelhos). Ainda assim ela continuava linda como sempre, mesmo eu me esforçando para não reparar. – Sente-se.

A mesa era pequena e redonda, três cadeiras de plástico em volta dela. Como eu disse: não sentia fome. Mas estava mesmo com vontade de me alimentar.

- Isso é pra você não perder o costume – Hara explicou, enquanto comíamos. – É essencial você continuar se alimentando, mesmo que não sinta fome. Só não se acostume com coisas boas. Não vai ser sempre que a Yasmim vai criar coisas deliciosas como aquele pudim.

Eu senti que ruborizei; Yasmim apenas sorriu.

- Senão você acaba se acostumando e, quando acordar, talvez até mesmo fique fora de forma comendo tanta besteira – ela disse calmamente, e gostei da forma que disse "quando acordar", demonstrando que ela estava mesmo confiante.

- Ok – eu disse. – Vou comer só o necessário. Mas... posso tomar uma vitamina de abacate de vez em quando?

Hara e Yasmim riram, Hara dizendo:

- Pode.

Então algo me ocorreu.

- Por que vocês estão comendo ilusão? Já que, ao contrário de mim, vocês estão fisicamente aqui, comer ilusão não seria ruim, sei lá, para o intestino?

- Isso aqui não é ilusão – ele franziu o cenho para mim. – Nem tudo vai ser ilusão. Por mais que sair daqui seja arriscado para nós, Yasmim e eu podemos facilmente ir para o Mundo Espiritual sem gastar energia. E buscaremos comida por lá todos os dias.

Tentei imaginar como era no Mundo Espiritual. Hara dissera que os mortos iam pra lá, dentre eles os vampiros, antes de serem deperizados. Seria uma outra dimensão, repleta de povos e cidades diferentes?

Depois eu pergunto isso, pensei.

Nós terminamos de tomar o café e decidi perguntar:

Caçador Herdeiro (4) - Luz Envolvente | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora