Cap. 2

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O rádio relógio me despertou com um susto. Levantei minha cabeça com muita dor, meus olhos estavam ardendo, talvez eu tenha passado a noite toda chorando. O clima lá fora estava agradável, mas meu coração continuava encharcado de tristeza, e meus braços... Peguei uma toalha indo direto pro banheiro, aquelas listras ficavam cada vez mais frequentes. Eu lia na internet sobre jovens que tinham esse distúrbio, eu jurei pra mim que nunca faria o mesmo algum dia... Mas quando você está se afogando, você tenta qualquer coisa pra chegar à superfície, até seu último suspiro ser desperdiçado. Aquela dor não me aliviava de nada, eu não sentia absolutamente nada assim que a lâmina me perfurava, mas gostava de pensar que eu merecia alguma punição por ser um bastardo idiota. E eu mesmo tinha que me punir.

Fiz a higiene rápido, escondi meus braços no moletom mais longo que eu tinha e desci as escadas do mesmo jeito que as subi. Lenna estava assistindo Tv, Fred já tinha saído, não que algum se importasse da minha ausência. Peguei uma maçã provinda da macieira. Quase faleço ao lembrar que era lá onde Coby descansava em paz. Soquei duas na mochila, comportei meu cabelo malditamente assanhado e parti pela porta dos fundos. Era melhor não entrar no caminho de Lenna, toda vez que nos cruzávamos eu saía machucado. Eu não a odiava, pelo menos, não completamente. Só não depositava confianças nela, nem a aceitava como minha nova mãe, como Fred me disse. Minha mãe era insubstituível, eu me recusava a tentar mudar isso. Além do mais, foi ela quem matou meu cachorro. Não tenho provas, mas ele foi envenenado, e não penso em qualquer outro suspeito se não eles. Odiavam Coby como se ele fosse um monstro temeroso, sua morte seria uma benção.

Balançei a cabeça pra esquecer esses problemas de casa. Apressei-me em ultrapassar a porta principal, eu já tinha recebido advertências de atraso algumas vezes... Muitas vezes. Eu não quero receber mais uma, ficar depois da aula é horrível. Entrei na escola, pus minhas mãos no bolso. As crianças menores inturmadas entre elas, ninguém se importava com a minha presença. Eu analisava cada sorriso bobo, o quanto eu queria ter a vida que eles tinham... Distraído, recebo uma rasteira, dou de cara com o chão. Gemi silenciosamente, tinha caído por cima dos meus braços machucados. As crianças de agora pouco começaram a rir escandalosas, olhei pra trás vendo Marcelo se afastar também rindo. Não é a primeira e nem a última vez, Bert... Suspirei pesado, tentando me levantar, me preocupei com meus cortes. Parecia de propósito. Ele sabia que eu correria pro banheiro, passaria a eternidade lá, me atrasaria pra aula e ganharia uma advertência. Estava doendo muito, mas dessa vez não. Não vou ficar até mais tarde naquela prisão.

Segurei meu braço e caminhei, reto e de cabeça mais ou menos baixa até chegar ao armário. Meu olhar parou em Alicia, estava sempre deslumbrante, seu olhar meigo, seu sorriso singelo, seu cabelo levemente loiro, a pele branca como neve. A garota mais perfeita de toda a escola, de todo o mundo... Ela levou o olhar pra mim, abri o armário tampando meu rosto, a ouvi rir. Me senti um idiota, eu nunca tive coragem de falar com ela, pensar nela me fazia sangrar horrores, literalmente. Fazia eu me sentir mais estúpido do que eu já sou. Na outra extremidade, pra onde meu rosto havia virado, vi Kurt, sempre na dele, seu cabelo loiro balançando com uma brisa, suas roupas estilosas, o formato do seu rosto era bonito, ele era bonito por si só. Seu olhar azulado atentos a movimentos delicados... Ele era alguém que Alicia poderia ter interesse. Pensar nele também fazia me sentir estúpido.

ninguém quer dançar com vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora