4 Festa da Mandy

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Na quinta á tarde, eu nem estava mais me lembrando da tal festa da Mandy, mas quando me lembrei, fui logo me arrumar,  não podia dar um perdido nela. Só havia sobrado ela, e eu não podia deixar ela escapar também. A maioria das garotas não curte muito ser amiga de nerds sujas de graxa e terra e que odiavam shows de duplas sertanejas... Mas por algum motivo muito estranho, a Mandy não ligava para isso.

Abri o guarda-roupa, e olhei para as minhas cinco camisetas passadas penduradas no cabide e pensei em desistir. O que eu ia fazer de camiseta na festa da família toda fashion dela?

Respirei fundo, vesti uma calça legging preta, com meu cinto de Spike, camiseta da Pitty do álbum sete vidas, e passei desajeitadamente delineador nos olhos. Fiz uma trança nos cabelos, que até uma garotinha do pré faria melhor, e saí do quarto. Fui procurar meu pai, e o encontrei na sala batendo altos papos com minha tia.

- Pai, onde está a chave do Lestat? - Lestat, meu velho uno guerreiro, verde descorado ano 97.

Meu pai olhou espantado para mim, e eu não sabia se era por eu estar arrumada, ou se era por eu estar saindo.

- Aonde você vai? – perguntou ele franzindo a testa.

- Na festa da Mandy, a mãe dela vai fazer... – Ah por que eu tinha que explicar? - Sei lá, ela me chamou. – fiquei impaciente.

- Onde? –  ficou sério.

- Na chácara. – bufei.

- Nossa, mas de quinta-feira? - Fez careta para mim.

- Tá desconfiando de mim? Liga para ela então. – coloquei as mãos na cintura esperando.

- Calma, não é isso, é que...

- Samuka, deixa a garota se divertir, vai, amanhã cedo vocês vão para esse negócio na terra de novo, deixa ela falar com a amiga dela.

- O-bri-ga-da – disse quase mandando um beijo para ela.

- Tá. Volta ás 11! – Ele tirou as chaves do bolso.

Nem discuti. Eu, maior de idade, não podia nem ter a liberdade para voltar depois da meia noite para casa, e ele podia virar a noite nas comemorações...

Talvez o Du tenha se casado com a jararaca só para se livrar dele.

Fui para o portão da esquerda, libertar meu guerreiro verdolento. Apesar de ele ser insignificante perto dos outros, ele era meu xodosinho. Meu Lestat, beberrão, sugador de óleo na noite... Sempre que eu saía com ele tinha que ficar de olho, às vezes tinha que completar o óleo antes de voltar para casa, e onde eu o parava, ele deixava sua marca. O óleo pingando no chão. E as pessoas me perguntavam por que meu pai não o arrumava. E eu tinha o ditado sempre na ponta da língua. "em casa de ferreiro,  espeto de pau"

Saí com ele, e mesmo com todos os seus barulhinhos de carro velho, ele me deixava poderosa dirigindo por aí, era tão libertador. Eu adorava.

Depois de sofrer um pouquinho na gigantesca subida que levava a chácara da família da Mandy com meu motorzinho 1.0, mas curtindo um som muito bom do Avenged Sevenfold, finalmente cheguei. Deixei Lestat estrategicamente na frente do portão para eu poder vê-lo lá de dentro. Sempre fui paranoica demais de deixá-lo na rua sem proteção, principalmente depois de ele ter sido roubado. Os bandidos só não contavam que o Du ia persegui-los com um carro de rally 2.0 turbinado. Aí tiveram que abandoná-lo e sair correndo. E assim ele voltou para mim. E perdê-lo outra vez, não era uma opção.

O portão estava entreaberto, e  Mandy logo pulou no meu pescoço.

- Ahhh, não acredito que você veio! – gritou no meu ouvido.

- Vim, só porque era você. – Sorri para ela.

E enquanto ela me olhava de cima a baixo, eu fiz o mesmo, reparando na sandália de salto, na saia agarrada na perna, e na blusinha de estampa de onça dela. Nem dava para acreditar que tínhamos a mesma idade. Ela adulta demais, e eu... Bem... Toda errada.

Ela me conduziu até a mesa onde estavam o namorado dela, Felipe, que não fazia questão de me cumprimentar, e os pais dela.

A mãe dela sempre muito simpática, não sabia o que fazer para agradar todo mundo, me oferecendo mil coisas.

-Elise, quer uma cerveja? – Ela era tão educada, tão gentil que me encantava, uma família bem legal.

- Obrigada, dona Denise, mas estou dirigindo. – Agradeci tentando imitar seu tom gentil.

- Viu, Ma, como sua amiga é responsável? Você deveria ser assim... - disse ela sorrindo, e dando uma piscadinha para mim.

Sorri totalmente constrangida.

E o pai dela me pegou desprevenida.

- E aí? Quando vai pilotar? – Falou animado, querendo puxar assunto, e sem querer, arrancando a casquinha da minha ferida.

- Ah não, eu só faço as planilhas. Meu irmão pilota. – Tentei, mas aquela frase saiu melancólica mesmo assim.

- Que pena, eu vi que tem bastante equipes de mulheres agora, não é?

Engoli em seco. – É, tem sim. – tentei sorrir.

Mandy sacou logo o climão, e me puxou para fora da mesa.

- Desculpa Eli, meu pai é... - sussurrou ela.

- Imagina, Mandy, ele não tem nada a ver com isso. Na verdade, quando digo que sou da equipe, é logo isso que as pessoas pensam. – A acalmei.

Ela sorriu tristemente para mim. Porque ninguém melhor que ela, sabia do meu drama interno, e todas as minhas frustrações. Ela me ouviu reclamar o ensino médio inteiro.

- Vem, vamos pegar um refri para você. – Ela me puxou novamente.

Me servi de refrigerante e dos mini pãezinhos com churrasco.

Não demorou para os tios dela começarem a me perguntar sobre as provas, os carros, os pilotos, e sobre o campeonato. Aí sim o assunto rendeu. E como sempre, eu estava na roda de homens perto da churrasqueira falando sobre rally. E as mulheres em rodinhas cochichando e me lançando olhares furtivos hora ou outra. Não é por nada, mas ô bicho desconfiado esse tal de mulher, viu? Não sei se elas achavam que eu estava dando em cima dos caras, ou se eu era muito macho, ou algo assim.

Lá pela meia noite e meia, resolvi ir embora, saí pelo portão, e vi a costumeira poça de óleo embaixo do Lestat. Abri o capô e verifiquei o nível com a luz do celular. Estava baixo, mas não tanto quanto eu pensei, então fechei o capô, e me despedi dela, de seus tios, e fui embora.

Ah... Uma noite leve para variar, sem cobranças, e sem eu ter que insultar ninguém. Uma noite sendo uma garota quase normal.

Guardei Lestat na garagem, desliguei a bateria, já que ninguém andava com ele enquanto estávamos fora, e entrei em casa. Fui naturalmente recebida pela tromba do meu pai. Ignorei-o, joguei a chave no raque, e fui para o quarto.

Arrumei minha mochila, deixei ela pronta para a manhã seguinte, e a roupa que eu ia, já separada.

Desfiz a trança, caí na cama agarrando meu Stitch de pelúcia, e dormi.

Elise (Repostando)Onde histórias criam vida. Descubra agora