40 Mal entendido

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Onze horas de sexta, acordei esfregando os olhos, sozinha na cama. Era dia de ir para Caçapava, véspera de prova.

Minha frustração aumentou em ver que o outro lado da cama nem tinha sido desfeito. Ele não dormiu comigo. Por quê? O que eu tinha feito de tão errado? Ele estava com raiva de mim? Só podia, ou porquê outra razão ele não estaria ali.

Olhei pela janela, e o Galak já estava em cima do caminhão, indo embora antes de nós.

Repassei a noite anterior na cabeça, o show, tudo que ele havia me dito, e a fuga dele... Peguei minha bermuda, uma camiseta da equipe, e parti para o banheiro, que estava todo molhado até perto da porta, e  fiquei imaginando o que ele teria feito, para deixar o banheiro naquele estado.

Entrei com cuidado, sequei a bancada com a toalha pendurada no box e coloquei minhas roupas ali.

Mudei a chave do chuveiro para quente e entrei me deliciando com a temperatura da água na minha pele.

Saí do banho após alguns minutos, me troquei e voltei para o quarto, enfiei o vestido no fundo da mochila outra vez, guardei os coturnos, e calcei os all stars.

Desci, e ele estava no sofá assistindo TV, fiquei indecisa se ia até ele ou não. Passei por ele sem que ele me olhasse, e fui até a cozinha me sentar na bancada.

- Bom dia, querida. – Fatinha falava com um sorriso terno.

- Bom dia, Fatinha. – respondi lutando para não chorar.

- Quer comer alguma coisa, Elise?

- Não, obrigada. – Senti meus olhos se encherem de lagrimas, me levantei, e voltei para o quarto dele.

O que foi que eu fiz? Que merda era essa? Ele nem me olhou. Ele não... Será que eu tinha estragado tudo?

Talvez ele nem quisesse correr comigo. É claro que ele não queria correr comigo, ele nem queria me ver...

O pior é que eu não tinha nem como ir embora dali. Eu podia tentar ligar para a Gabi me buscar... Ou Lucas...

Eu só não queria ser ignorada por ele, igual meu pai estava fazendo.

Estava mexendo no celular, decidindo se ligava ou não para alguém, coloquei a mochila nas costas e digitei o número da Gabi, mas ela não atendeu. Então recorri ao Lucas, e o idiota também não atendeu.

- O que você tá fazendo? – Ele falou parado na porta, olhando para mim.

- Tentando achar alguém para me buscar. – respondi irritada.

- O que? Por quê? – Ele arregalou os olhos.

- Por quê? – Me virei para ele quase chorando – Você ainda pergunta?

Ele caminhou até mim, e parou a alguma distância me encarando.

- Elise, me escuta...

- Por que você não dormiu na sua cama? – falei com raiva. – Tá com tanto nojo assim de mim? - comecei a chorar.

- Elise não é nada disso. Me escuta, por favor. Eu não tenho nojo de você. Eu te amo! Mas você... As coisas não são assim. Eu não quero que você se sinta na obrigação de fazer nada.

- Para de falar como se a culpa fosse minha, Léo. Me fala que você não me quer desse jeito. É mais sincero. E eu até vou entender.

Ele fechou os olhos, e respirou fundo. – Não é nada disso, Elise. Você sabe que é tudo que eu mais quero. E por isso mesmo eu tenho que ter a cabeça no lugar. Eu quero que você esteja pronta. Não que faça isso só porque você sabe que eu quero.

Me sentei na cama olhando para ele. Como ele podia de repente ser tão adulto? Tão responsável? Que ódio de eu ser a criancinha naquela conversa.

- Por que não dormiu aqui? – baixei os olhos.

- Não consegui. – Ele se sentou do meu lado – Elise, você não faz ideia de como eu me sinto em relação a você. Aquele garoto tem razão. Parece mesmo que eu peguei você pra criar. Eu tô tão acostumado com seu jeito moleque, que ver você como uma mulher daquele jeito me assustou. E eu me senti ainda mais assustado com você depois... Eu te amo tanto, que o simples fato de eu poder te machucar, me dói. Eu não dormi aqui, porque eu não dormi...

Ele estava dizendo na minha cara que não me via como mulher... Depois de tanto tempo de namoro, ele não me via como mulher? O que ele via então? O que ele queria comigo? Uma garota para criar...

- Então me deixa, Léo... – comecei a chorar sem olhar para ele – Isso nem devia ter começado, se você não me vê como mulher... Porque eu sempre te vi como homem. E era exatamente por isso que eu tinha medo de você tão perto de mim...

- Você não pode tá falando sério, Elise... Eu não vou deixar você. – A voz dele saiu entrecortada. – Não é possível que você não consiga entender. Eu levo mais a sério o que aconteceu com você, do que você mesma. Porra, Elise! Eu não quero te comer! Eu quero fazer as coisas do jeito certo, e como você merece...

Fiquei quieta, e não olhei para ele. Eu entendi o que ele queria me dizer. E aquilo era mais nobre do que eu jamais imaginei. Soltei minha mochila, e coloquei o celular do meu lado. Fiquei olhando para o chão tão perdida, e me sentindo tão idiota.

- Se você quiser ir embora, eu te levo. – Ele quase sussurrou.

Apertei os olhos chorando. E balancei a cabeça negativamente.

Ele se agachou na minha frente levantando meu rosto para ele.

- Me perdoa se te magoei, Elise. Mas você é mais importante para mim do que qualquer coisa. Me deixa fazer as coisas direito? – Sorriu meigamente pra mim.

Não respondi, só pulei em seu pescoço, me ajoelhando no chão. E ele me apertou contra ele. Eu pude sentir o alivio que emanava daquele abraço. Chorei no pescoço dele por um longo tempo.

- Olha aqui, se quiser, podemos ir amanhã. Caçapava nem dá duas horas daqui. – Ele acariciou meu cabelo. – Eu ligo para o Ivan...

- Não. – respirei fundo – Eu quero ir, talvez as planilhas saiam hoje, e eu... – Ele segurou meu rosto, e me deu um beijinho.

- Tudo bem, vamos almoçar aqui, e mais tarde a gente vai, então. – Me puxou me colocando em pé, e limpou meu rosto.

Eu assenti para ele. Fui para o banheiro, lavei o rosto, e quando voltei ao quarto, ele estava com as costas na cabeceira da cama, com as pernas esticadas, e um dos braços apoiando a cabeça.

Olhei para ele, me sentindo idiota outra vez.

Ele fez um gesto me chamando para ir até lá, e me puxou para eu colocar a cabeça em seu peito enquanto ele acariciava minhas costas.

- Nunca mais me fale para te deixar... – Sua voz era carregada de amargor. – Porque eu não vou...

- Léo... – Tentei argumentar

- Sério que você estava ligando para aquele frango vir te buscar? – falou incrédulo - Ah Elise...

- Eu tentei a Gabi, mas ela não atendeu. – me justifiquei.

- Elise, você ia me matar se fizesse isso...

- Você me matou quando não dormiu aqui. – rebati.

Ele ficou mudo de repente.

- Desculpa. Eu não pensei que você ficaria assim. – disse ele por fim.

- Seus banhos do Alasca me deprimem, Léo. Você vai pegar uma pneumonia por minha causa.

- Não me importo. Não quero fazer nada que você não esteja pronta. – Ele segurou meu queixo enquanto falava.

- Eu posso te provocar até você querer. – Sorri para ele meigamente.

Ele riu, e virou a cabeça para o outro lado. – Não me tente, Elise...

Fiquei olhando para ele, e ele me beijou, se afastando de mim quando tentei passar os braços por seu pescoço – Vamos almoçar, vai.

Elise (Repostando)Onde histórias criam vida. Descubra agora