Cheguei em casa, depois do dia mais difícil que já tive. Dizer adeus para meu irmão, meu melhor amigo, meu salvador... Foi a coisa mais difícil da minha vida. Foi pior do que todo o resto.
Entrei no meu quarto apertando o macacão dele contra mim. Eu sabia que não tinha o cheiro dele. Ele nem chegou a usá-lo. Eram os uniformes novos para a temporada 2016, eles estreariam em Pomerode. Mas o destino quis que eles fossem usados em uma ocasião diferente. E agora, seu uniforme era meu. Para que eu sempre me lembrasse daquele dia.
Durante o velório, recebi tantos abraços que não me lembro ao certo quem eram as pessoas ao meu redor. Eu só queria os braços do Léo. Era onde eu me sentia menos destruída naquele momento. Era onde eu queria estar.
E eu nem conseguia acreditar em como ele estava sendo perfeito comigo, nunca tinha visto ele se importar com ninguém. Eu nunca imaginei ele tão atencioso, só queria ter forças para agradecer, mas naquele momento... Eu não tinha.
****
Uma semana depois do acidente, as pessoas se reuniram na casa da minha tia para ir a missa dele. Minha tia fazia questão de cumprir os ritos.
Me agarrei ao Léo, e não queria ir de jeito nenhum. Ninguém tentou me convencer do contrário, só fiquei ali, no meu quarto, na cama com o rosto apoiado no pescoço dele, segurando sua mão. Se não fosse por ele, eu nem estaria caminhando. Ele ficou comigo a semana inteira, não me deixou sozinha, e mesmo que eu não conseguisse pronunciar muita coisa, só de ele estar comigo, já era um conforto.
Ouvi o portão se abrindo, uma meia hora depois de todos saírem.
- Quer que eu veja quem é? - Ele ofereceu.
Balancei a cabeça negativamente, me levantei, mas parei na entrada da sala.
- O que você quer aqui? – Minha voz saiu quase como um rosnado. Não dava para acreditar que ela estava ali. Com a cara mais deslavada do mundo!
- Eu vim para a missa do seu irmão. – Ela fez cara de pesar para mim.
- Como sempre, você chegou atrasada! - Vociferei, e Léo parou atrás de mim sem entender nada.
- Elise, fala comigo... Como você está? – Ela inclinava a cabeça para tentar demonstrar ternura, e isso me deixava louca de raiva.
- Tô ótima, não tá vendo? Meu irmão morreu, sua cretina... Como acha que eu estou? – gritei.
- Elise, calma... – Léo segurava meus ombros.
- Você deve ser o Leonardo, é um prazer conhecer você. – disse se virando para ele.
- Não fala com ele! Some daqui, agora! - gritei. – Minha vida já tá uma merda sem ter você nela, você podia fazer o favor de não piorar?
- Elise, quantas vezes eu tenho que te implorar perdão... – Suplicou.
- Nada que você faça, vai fazer eu te perdoar. Você é um lixo! Um lixo com ser humano. E um lixo como mãe! – falei lutando contra minhas lágrimas.
Ela deu um passo na minha direção, e instintivamente estiquei meu braço para o raque agarrando um porta-retrato.
Ela ignorou, e deu outro passo. Segurei firme o porta-retrato e arremessei, ele passou raspando na cabeça dela, e na verdade eu não queria acertá-la, só queria que ela se afastasse.
- Eu não tô brincando! – rosnei – Sai da minha casa, agora! Ou o próximo vai ser na sua cara!
- Elise... – Léo sussurrou atrás de mim.
- Tudo bem, Leonardo. – disse ela calmamente. – Que bom que você cuida dela. – Se virou para mim. - Eu vou embora, Elise. Mas não pense que eu não me importo com você... Eu estou morrendo por dentro pelo que aconteceu com seu irmão também.
- Devia fazer um favor para humanidade, e morrer de verdade. – resmunguei.
- Você tem todo o direito de me odiar, mas não de duvidar do meu amor... – Ela saiu de costas da sala, e eu só aliviei a tensão do meu corpo quando ouvi o carro dela dar a partida.
Soltei o porta-retrato, e Léo me virou para ele.
- Aquela era sua mãe? – falou surpreso.
- Infelizmente. – respondi me agarrando a ele de novo. – Nem me pergunta, Léo.
Ele sorriu para mim, e me levou de volta para a minha cama.
***
Não sei dizer o que eu senti naqueles dias. Eu só sabia que nada fazia muito sentido. Eu estava mal. Mas meu pai estava destruído, eu não conseguia nem olhar para ele. Tudo estava tão fora de lugar. Eu nem tinha mais notícias das corridas. E eu não sabia se queria ter, nem qual seria minha reação em ver todo o clima das corridas outra vez.
Mas eu havia feito uma promessa para o Du, e eu não podia decepcioná-lo.
Um mês depois da morte dele, eu tive forças para ir até a garagem e olhar para o Lestat. O Afonso tinha dado perda total, e o seguro especial dele garantiria Gabi por um tempo. Aliás, a Gabi era pura inconformidade. Ela passou duas semanas sem pisar na casa dela, com medo de encarar a casa vazia, sentir o cheiro dele, sua presença. Eu entendia perfeitamente como ela se sentia. Porque eu me senti exatamente igual quando ela o tirou de mim, do quarto que a gente dividia... Boa parte da minha implicância com ela começou ali. Até o chulé dele me fazia falta. Olhar para o quarto e não ver ele lá deitado, do jeito esquisito que ele dormia. E rir quando ele resmungava alguma coisa dormindo. Agora ela ia sentir isso. De um jeito muito pior, porque eu ainda pude me desapegar com o tempo. Ela não teria isso...
Me questionei muito sobre tudo, eu sabia que só estava viva por causa dele. Eu nunca imaginei... Nem cogitei a ideia de poder perdê-lo. Eu não conseguia entender. Parecia que a vida estava me dando um tapa na cara.
Mas de alguma forma, eu sentia que ele estava bem, em algum lugar, me vendo, e não estava gostando nada de me ver chorando pelos cantos. Ele odiava me ver chorar. Sempre odiou. Por isso, reuni todas as minhas forças, e voltei a olhar para a frente. Eu tinha ainda um longo caminho... E tinha que começar de algum jeito...
Por ele, para ele e por mim. Ele salvou minha vida, o mínimo que eu podia fazer era viver de verdade.
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Elise (Repostando)
Teen FictionRespondona, grossa, encrenqueira que não leva desaforo para casa, e com ótimo gosto musical. Elise é a faz tudo de uma equipe de Rally. Viajando com seu pai, seu irmão e os caras da equipe desde os 14 anos, ela foi obrigada á se encaixar nesse meio...