— Que gente chata esses crentes. Não tava aguentando mais esse...
— Cala tua boca, mulher! Tu só fala se eu mandar, sacou?
Quem ela pensa que é para cortar meu papo? Ainda que não fosse nada importante, era eu que estava falando com os moleques.
— Que isso, chefe? Tá... virando...
Apenas viro o olho para ver o solda de canto, e ele se cala. Os outros continuam quietos.
— E tu, vacilona, fica esperta. À noite vamos resolver esse caô.
Em silêncio, observo os crentes descendo a vila. Como que pode? Esses caras vivem na lisura, não tem carango, não pegam ninguém, não curtem nada... Para que eles querem que todo mundo tenha uma vida igual à deles?
O convite ficou na mesa. Aproveito para dar uma olhada:
Tristeza? Solidão? Drogas? Automutilação? Depressão? Você procura a felicidade em tudo, mas não encontra em nada?
Na boa, minha mão quase vira o panfleto para eu ler o que tem atrás, mas no mesmo instante chega outro dos meus soldados na varanda.
— Espaguete, tua velha tá malucona lá na saída da Quinta.
— Leva ela pro barraco, Dedé.
— Senhor, a gente tava em três lá e não deu conta, não.
Toda semana é a mesma coisa: minha velha tem um ataque lá na esquina do barraco dela.
— Mô, deixa ela pra lá. Passou da hora dela comer mato pela...
Antes que a piolhenta complete o ditado, dou-lhe um tabefe com mais força do que planejei. Sua face fica vermelha, mas o cabelo encobre quase tudo. Seu silêncio é um alívio.
Chamo dois soldados para irmos até a rua Quinta. Paramos no meio do caminho quando vemos aqueles crentes ao redor da velha, um deles segurando pela cachola. Parecem estar brigando. Quem ele pensa que é?
Corro para botar o cara no chão, mas antes que eu chegue lá, a velha o abraça. Que p**** é essa? A velha está louca mesmo. Ela leva duas das crentes para dentro do barraco, enquanto os outros vão para a rua debaixo. Ao meu lado, o Paulão só ergue os ombros.
Volto para meu barraco, mando a piolhenta arrumar uma boia e fico pensando na merda que acabei de ver. Sei que os crentes são doidos, mas minha velha não era. Será que eles estão fazendo isso com ela? Eu até admirava os caras, com toda a coragem que têm de virem desarmados para dizer na minha cara que vai dar ruim se eu não sair dessa vida e pá, mas agora fiquei bolado.
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Quantas voltas
General FictionO preconceito começa dentro de casa, quando nem a mãe acredita que Ariana possa ser grande. Após se mudar para uma cidade maior em busca de novas oportunidades, conhece a fé no mesmo grupo de Arnaldo, o jovem mais bonito de sua igreja, mas também o...