23 - Arnaldo

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Essa semana percebi o Kleverson um pouco mais distante. Ele sempre contava tudo para mim, mas está meio quieto ultimamente. Como se tivesse encontrado outra pessoa em quem confiar. E se foi alguém do caminho mau? Como vai ser meu julgamento se ele se perder, sabendo eu que o sangue dele será cobrado de mim? Espero poder encontrá-lo amanhã para conversarmos.

*

E lá vamos nós. Não que eu a esteja desprezando, muito pelo contrário, gosto da companhia da Heloísa. Já me acostumei a voltar com ela sempre depois das reuniões.

Com o coração mole que tenho, ao passarmos entre mesas diante de uma kombi de açaí na rua, pego o que tenho no bolso e pago um para nós. Nem gosto de açaí, mas é mais por gostar dela (como amiga) que nos sentamos ali para conversar.

— Arnaldo...

Posso sentir que Heloísa mudou o tom de voz neste momento, quando nos levantamos para ir embora. Desde que a conheci, Heloísa se tornou menos introvertida, mas agora que ela fala comigo sem erguer os olhos e de mãos cruzadas, parece algo mais sério.

— Antes de ir embora, eu queria contar uma coisa.

Não sei porque, mas começo a ficar nervoso. Ela me olha sem levantar bem o rosto. Não devo nada para ela, nem lembro de ter feito algo ruim para ela. O que será que ela quer?

— Então, Arnaldo, acontece que, bom, na verdade, eu... você...

O nervoso dá lugar ao impaciente. Minhas pálpebras pesadas não estão a fim de continuar conversando. A cama me espera!

— Eu não queria perder sua amizade, você é muito importante pra mim. Você é... uma bênção, se não fosse você nem estaria na FJ.

— Nada, que isso, Helô. Fica bem, não vamos perder a amizade por nada não.

— Não é isso, Arnaldo. É que, eu tava pensando, se a gente não poderia, sabe...

Depois de algum tempo uma luz acendeu em minha mente. Ou melhor: duas. Uma verde apontando a resposta de anos de orações na Terapia, e uma vermelha apontando o fato de a Heloísa estar começando na fé, e por isso poderia estar se precipitando no que acho que ela esteja querendo dizer.

Já eu, não sei o que dizer. Só ouço.

— Namora comigo, Arnaldo?

Esqueço onde estamos, o movimento no ponto do açaí e na própria rua, e de todos os alertas que vêm após a luz vermelha. Uma onda de calor se espalha em mim, do peito às pontas dos dedos. É um pouco difícil manter a postura firme.

— Sim, vamos!

Heloísa dá um pulinho e me envolve com os braços. Por um instante fica pendurada, por eu ser mais alto. Ela é mais leve do que parece. Vermelha, ela me solta e então voltamos para casa depois de alguns minutos ainda.

Apesar da luz vermelha, não estamos fazendo nada de errado. Ela é uma jovem bonita e parece ter muitas qualidades. Para que pedir permissão para o pastor ou a obreira? O que começa certo tende a terminar certo, não é? Creio nisto.

Quantas voltasOnde histórias criam vida. Descubra agora