79 - Heloísa

42 5 1
                                    

É legal ter ao menos uma colega da mesma fé na sala de aula, pois assim a gente se entende. Da porta da sala de química podemos ver o movimento incomum no pátio, de alunos de outras escolas.

— Essa gincana já é nossa! FJ Sede e FJ Teixeirão junto e misturado! Vai arrebentar, Helô!

— Isso aí, Nat. Tá ligado!

Natália vai para sua próxima aula, enquanto dou um passo para dentro da sala de química.

— Nossa, olha quem tá aí! — diz uma voz conhecida atrás de mim.

— Vocês de novo?! Como vocês tão? Na boa?

— Olha aí, miga — ela diz para a outra menina, um pouco atrás. — A Helô agora é mano.

— Só nas gírias, aí — diz outra. As duas são minhas conhecidas de antes de conhecer a Deus. E ambas continuam se vestindo de preto.

— Pô, Helô, que isso? Você sumiu e agora aparece assim esquisitona?

— Ela virou crente agora — diz a outra.

Tento ser legal e ignoro o comentário. Na verdade já ando falando com a primeira delas desde o começo dos jogos, há algumas semanas. Tento ser legal para ganhar a alma dela, mas a cada conversa que temos eu saio com mais certeza de que não vou conseguir. É como sempre me falaram: é mais fácil eu sair da igreja do que trazê-las. Mas são almas! Não importa o preço que eu devo pagar, o valor delas é imensurável.

— Helô — diz a segunda, a mais gordinha que eu —, cadê aquele gatinho?

— É, eu vi as fotinhas...

— Não, é que, não deu certo.

— Ai, isso não existe! Não deu certo? Você tem que fazer dar certo!

— E só tem um jeito de fazer o homem ficar com você — diz a gordinha fazendo algum sinal feio com os dedos.

— Amiga, ela é crente agora. Crente não transa.

— Até parece!

— Chega, vocês duas! Se vocês querem falar disso, então deem licença que eu preciso estudar. Daqui a pouco a aula começa, e eu preciso de nota em química, tá?

— Não grite assim, Helô. Maltratando as amigas, Deus não gosta disso! — diz a gordinha antes de irem embora para seus trabalhos, rindo de mim.

Segundos antes de a professora chegar, a Rachel, a mais magra das duas, me entrega um cartão. Um convite.

— Te conheço, amiga, e sei que você não vai querer ler nem ir. Mas é só uma festinha de aniversário da minha irmãzinha. Venha conhecê-la, ela vai fazer um aninho. E também um dos seus amigos vai.

— Meus amigos? — respondo sussurrando, como ela.

— Felipe, o de Marazul. Ele é primo do pai da minha irmãzinha. Eles vão botar pra quebrar na música!

Nem me despeço, pois a simples presença da professora põe ordem na sala. Infelizmente, meu rendimento não é muito bom hoje, pois fico pensando na festinha. Nunca fui chamada para ir em nada com meus amigos da FJ, só coisas da igreja. Talvez não tenha problema em me divertir um pouquinho. Leio o convite. A festa é num sábado! E agora? Se eu for no Conexão, perco a festa. Mas se eu perder o Conexão, ainda posso ir na igreja domingo e buscar o Espírito Santo. Vai que ele vem nesse domingo? Agora, se eu perder a festa, quem sabe quando vou ser chamada para outra?

Vou sem contar para ninguém. Principalmente o Arnaldo. Ele também fica escondendo as coisas de mim! Até hoje não disse o que era aquela ligação. Mas como ele se sentiria me vendo saindo com o Felipe, mesmo sem segundas intenções? E outra: se eu sair desta vez com essas meninas, eu ganho crédito para poder chamá-las para o FJ. Talvez elas não sejam tão chatas comigo se isso acontecer, e ainda sejam salvas! Por isso decidi que vou à festa da... sobrinha do Felipe? Acho que é sobrinha.

Quantas voltasOnde histórias criam vida. Descubra agora