71 - Arnaldo

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A Heloísa parece um tanto perturbada. Não a via com essa cara fechada desde quando a conheci.

Para que fui lembrar disso? Agora passa um filme na minha cabeça. São segundos entre o momento em que a vejo chegando no pavilhão e o quando ela finalmente se senta diante do vidro. Tempo suficiente para lembrar de todos os olhares, as conversas, todos os momentos que estivemos juntos. Muitas lembranças, minha mente fica lenta com tanto processamento. Felizmente consigo cumprimentá-la sem tanta demora. Ela é quem demora para me responder.

— Arnaldo, oi.

— Que oi mais seco. O que aconteceu?

Heloísa não corresponde ao meu sorriso. O meu some também, e meus companheiros, os que estão à toa, também estranham a situação.

— Arnaldo, eu... eu não sei como dizer... — Seus olhos começam a marejar. É sério. — Sabe aquele seu amigo barbudo, o Kleverson?

Algo bate dentro de mim como a ponta de uma estaca. Lembro-me de um dos dias que passei aqui dentro só pensando nele. Como fui egoísta por não falar de Jesus para ele. Ou ainda como sou egoísta por querer ter falado eu, assim conquistando uma pedra preciosa para a minha coroa. Uma já seria bom, como nós falávamos às vezes. Também pensei em algumas palavras estranhas que ouvi dele, confessando sentimentos negativos e de derrota, e que ele não se sentia bem no FJ. Fico pensando se outra pessoa lhe ajudou nesse tempo em que eu me afastei.

— Ele... — Helô olha para baixo e põe a mão no rosto. — Ele se... suicidou.

Acabou. Meu coração se parte em mil pedaços. Dou um soco na pedra da mesa, chamando a atenção do pessoal do pavilhão. Ponho as mãos no rosto para ninguém ver esta pessoa inútil que teve a chance de levar a vida ao melhor amigo, mas deixou a vergonha dominar e, com isso, perdeu uma alma preciosa para o diabo. O que foi que eu fiz, Jesus?

O horário de visitação termina e eu continuo parado, pensando em cada vez que Kleverson desabafou comigo, esperando achar em mim a força para superar a situação. E eu, ah, Deus! Eu não falei nada do Senhor! Agora ele deve estar perdido para sempre. Parte por minha causa. Deus, me perdoa! Prometo fazer tudo diferente quando sair daqui. Faço este voto de me dar totalmente, servir como todo o meu ser.

Levanto para ir à cela dormir. Já anoiteceu, e nem percebi.

Quantas voltasOnde histórias criam vida. Descubra agora