63 - Arnaldo

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Esse lugar, apesar da tristeza e raiva de estar aqui sem motivo... ou pelo motivo errado... isso não é o pior. O que posso dizer? Errei, errei feio. Meu Deus, dessa vez passei dos limites do racional. Desde pequeno me ensinaram o caminho da vida, e eu seguia por medo, não por amor. E agora estou aqui, sem saída, sem estima, vendo o sol nascer quadrado.

— Pô, irmão, que vacilo, hein!

Um dos meus companheiros de cela, um homem grande cheio de tatuagens na mais próxima, me dá medo até com a voz. Tentei ignorá-lo, mas ele continua puxando conversa. Deixo os outros presos que falem com ele.

— Mas e aí, irmão — o tatuadão continua —, a bikosa ficou com a vagaba?

— E o homem escapou? — o outro, magrelinho, da mesma cela, entra na conversa, preocupado mais com o traficante com quem fui confundido.

Deixo eles falando sozinho e mergulho dentro de mim. O que não falta aqui é tempo para pensar. Três ou quatro dias praticamente parado é uma tortura de solidão. Mesmo dividindo o lugar com dois outros bandidos, me sinto só. Abandonado. Até por Deus. E com razão. Fico delirando por horas, lembrando principalmente dos domingos pela manhã na igreja e das tardes de sábado com a galera. Todas as vezes em que pensei em desistir e buscava força para continuar, e conseguia continuar. Tive altos e baixos, como todos têm, porém nenhum baixo era o suficiente para me tirar da presença de Deus. Ele me amou, me aceitou e tentou permanecer comigo, e eu... eu o rejeitei... Fica difícil me conter.

Ah, Senhor! Perdoa minha burrice!

— Cara, para com isso, seja homem! — diz o magrelo que divide a cela conosco. — Todo mundo passa por isso, cara. Eu já devo ter perdido umas quinze minas.

— Que se danem as minas — digo passando a manga da camisa no rosto para enxugar as lágrimas. — Eu perdi minha família toda, e mais, o verdadeiro amor, a única pessoa que realmente gostava de mim.

Serão não sei quantos anos preso com esses dois. Uma luta para manter a sanidade no silêncio que passarei por não ter ninguém lá fora por mim, que virá me visitar. O maior dos dois, o todo tatuado, faz um som como se estivesse com o nariz escorrendo. Olho e vejo sua mão saindo do rosto, e depois ele funga outra vez.

— Pra mandar real, irmão, cê tá com a sorte. Tinha alguém que gostava de você lá fora. Vai que essa mina te faz uma visita? Já eu tenho que esperar quinze anos aqui no zero a zero.

Se eu tivesse algo para passar, essa poderia ser minha chance de levar Jesus a alguém. Mas como posso falar para esses dois de alguém que, apesar de gostar muito de mim, está tão longe?

Quantas voltasOnde histórias criam vida. Descubra agora