Quantas voltas

52 - Kleverson

Depois daquela sexta-feira que deixei a rosa na igreja, pouca coisa mudou. Desde que moro sozinho, não recebo visitas, e a casa está cada vez mais difícil de manter. Isso tanto pelas contas que se acumularam quanto pela limpeza. Nunca fui bom em faxinas. Nem banho estou tomando todo dia mais.

Semana passada peguei tudo que tinha e comprei ingressos para o show dos Flying Trees, uma banda de rock gótico que está começando na trilha do sucesso, que veio tocar na capital. Não podia perder, pois quem garante que eles virão outra vez? Fui só. Eu e Deus mesmo. Ou só eu.

Desde que voltei não saí de casa. Fiquei pensando na vida. O que estou fazendo aqui? Não faço falta para ninguém, não tenho ninguém por mim. Nada faz sentido. Até as músicas que eu gostava não têm mais nenhuma graça. As séries que ainda não terminei estão lá no Netflix me esperando, e não tenho ânimo nem para ligar o computador. Isso enquanto tem energia aqui em casa.

Para piorar, meu único amigo se foi, sem se despedir. Desapareceu, por minha culpa. Se ele que era tão forte não suportou as pressões, quem sou eu para pensar em vencer na vida? Nem a fé me ajudou durante o tempo em que estive na igreja. Onde Deus esteve? Não aguento. Sem apoio. Não aguento mais. Preciso colocar um fim nessa dor.

E é agora.

Sua mãe não corre risco de vida. Se fosse você, sim, seria perigoso.

Ainda tem bastante pílulas no armário do banheiro. Mais que o dobro do que minha mãe havia tomado.

Será o suficiente?

*

Tá amarrado! Pensamento do inferno, saia!

Deus, me dá força! Amanhã preciso ir na sua casa. Faz tempo que não me achego ao Senhor, me perdoa, eu estou mesmo mole, e tenho deixado esses pensamentos do inferno entrarem na minha cabeça, mas preciso do Senhor. Tenha misericórdia de mim, desse pedaço inútil de bosta que sou eu. Me ajuda.