64 - Heloísa

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É uma sensação tão boa essa de fazer algo pelo próximo. Quantas vezes me peguei pensando se algum dia poderia fazer algo para compensar os anos que fiz minha família sofrer. Sim, é verdade que meu pai não é o melhor pai do mundo, nem mesmo é presente. Mas se eu quero que eles mudem, eu devo mudar primeiro. E é isso que estou fazendo, ajudando a obreira com os jovens e no presídio, mas principalmente buscando o tal Espírito Santo. Falam tão bem dele que quero conhecê-lo. Para isso parei até de ouvir minhas músicas favoritas como sinal. Às vezes dá uma acelerada no coração quando passo direto pelos rocks na playlist do meu celular, mas é o meu sacrifício pessoal.

Estamos no ônibus a caminho da Casa de Recolhimento outra vez. Hoje o Felipe está mais barulhento que de costume. Será que os jovens de Marazul são todos assim, mais extrovertidos? Felipe até me dá um tapa nas costas quando fala de uma música que ele gosta, mas depois do tapa nem consigo dar atenção ao que ele diz. Deve estar ficando vermelho por baixo da minha blusa preta. Arde um pouco. Que falta de respeito. Dou uma olhada para a obreira Ariana e ela já estava vendo tudo. Ergue a mão com a palma para cima e então volta a sua conversa com a menina da poltrona ao seu lado.

Melhor assim. Só eu no banco, olhando a paisagem da cidade até chegarmos no fim da área urbana, onde fica a Casa.

Ai, que medo do Felipe fazer alguma besteira. Hoje ele vai participar do teatro também! Ainda que o papel dele não tenha fala, ainda imagino se ele vai fazer alguma gracinha para... sabe... para eu notar. Sim, eu notei qual é a dele, antes da Ariana me contar.

*

E a Ariana, como na semana passada, é a protagonista da peça. Eu queria ser a principal, mas tudo bem. Pelo menos tenho um papel importante. Eu sou a amiga que se afasta quando a protagonista se converte, e que no fim se converte ao ver a vida da antiga amiga mudada.

A peça termina e nós agradecemos aos jovens que nos assistem detrás das grades. Ao me levantar, meus olhos travam num deles. Numa das celas, um jovem olha fixamente para mim. Ficamos alguns segundos sem perceber o tempo passar. Dou dois passos adiante, sorrindo, mas o segurança do local me barra. Enquanto vamos saindo para o próximo pavilhão, dou-lhe uma última olhada ao ouvir sua voz.

— Helô! — Arnaldo sussurra com lágrimas nos olhos.

Quantas voltasOnde histórias criam vida. Descubra agora