7 - Ariana

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Minha mãe não era o bastante! Agora tem essa gerente também. Definitivamente meu dia não está bom!

Para começar, antes de sair para o trabalho, a mãe derrubou o leite na minha melhor calça, e tive que vir pra Reemid com essa velha e desbotada. Para não desfilar pelas ruas com roupa velha, peguei ônibus. Nem estava tão cheio, mas um cara gordão fedendo cachaça se sentou do meu lado, nem ligou em respeitar meu espaço. E tinha um par de bancos vazios bem na frente, poxa!

Então, ao descer do ônibus, quase fui atropelada por um doido que virou o C3 sem piscar a seta. Era tão doido que no banco do carona havia uma mulher com a perna para cima, quase saindo pela janela. Se bem que o rosto dela delatava a dor que sentia. Devia estar correndo para o hospital. Mas a seta é um botão tão fácil de apertar!

*

Por mais que o tempo pareça passar tão lento quanto o desenvolver de uns livros de fantasia bem grossos do meio do século passado, já fez uma semana que estou na Reemid. Nesta terça-feira não tive muito trabalho pesado. O maior trabalho que tive foi suportar a pobreza interior da minha gerente, a Joana (aprendi o nome dessa racista só essa semana).

Na verdade não teve um único dia em que Joana me deixou em paz. Cada dia ela arruma um apelido diferente. Ainda assim, sempre forço um sorriso ao passar perto dela. Finjo não ouvir seus xingamentos. Como pode uma moça de aparência tão boa ser tão podre por dentro? Posso até não ser tão linda, mas não sou essa falsidade. Que mulher sem visão.

Ah, e ganhei um apelido fixo no escritório, mas é muito humilhante para dizer aqui fora. Deixa para só quando estiver na Reemid.

O sol está baixo, logo vai se por, quando desço do ônibus, perto de casa. Há uma enorme pressão dentro de mim, por causa da gerente, de tudo que tive de suportar essa semana, no trabalho, no ônibus, e em casa... Ah, se pudesse dividir essa pressão com alguém.

Caminho de cabeça baixa, tentando pensar em algum meio de extravasar sem causar problemas. Nem vejo as pessoas que estão na rua.

— Ei, moça, tudo bem?

Até levo um susto. O rapaz me para com uns panfletos na mão, e ao redor vejo outros rapazes aqui e ali, próximos à Praça da Juventude.

— Posso falar com você um instantinho?

— Ah, me desculpe, é que estou chegando do trabalho agora, e preciso ir pra casa.

O rapaz é insistente. Parece que é como eu, que não aceita desistir.

— Moça, só vou fazer um convite. Dia oito de março a gente vai subir pra Sérkera, onde vai acontecer o Saiba Dizer Não, um evento onde vamos nos manifestar contra tudo que não presta...

Até agora tudo bem. Mas realmente tenho que ir embora. Estou tão cansada que...

— Drogas, violência, suicídio, maus-tratos aos animais...

Na verdade, uma manifestação dessas é importante. Eu mesma, se pudesse gritar ao mundo o quanto é dolorido ser vítima de...

— Racismo...

— Racismo?

O rapaz para de falar por alguns instantes.

— É. Vai ser só mês que vem, mas estamos fechando a caravana. Quer ir com a gente?

Uma manifestação contra o racismo na capital de Takaci.

— Vai bastante gente?

— Vai sim, por isso estamos vendo antecipadamente. Ano passado deu seis mil jovens.

— Sério? Isso é todo ano? Não sabia.

— Não? Nunca ouviu falar do FJ? Força Jovem?

— Na verdade, não.

— Então venha com a gente e você vai conhecer. Não vai se arrepender. Tem um lugar seu com a gente, pode crer.

— Como faço pra conhecer, então?

— Todo sábado, ali no Centro de Ajuda do lado da F5 Perfumes. Ou lá na sede também, na George Martin, em frente a Praça Tiemi, às 16 horas. É onde nos encontramos e organizamos tudo.

— Interessante.

— Fica com o convite pra não se esquecer. E se quiser ir com a gente no SDN, cola com nós! Falou!

Como são as pessoas! Vou embora pensando no convite, mas observo ainda os rapazes do FJ. Convidam também uns mendigos que estão na praça. Uns até dão abraços. Que gesto lindo!

Um deles parece muito com um rapaz que já vi umas três vezes na empresa, que também está começando sua vida profissional. Tem que ser ele. Um rapaz esforçado, mas um pouco estabanado!

Enquanto aquela filha de uma rapariga da Joana fica me menosprezando pela cor, esses jovens distribuem abraços sem discriminação. Até me sinto mal pelo que pensei daquele gordão fedido do ônibus.

Realmente preciso parar de ver o preconceito dos outros, reconhecer o meu. E lutar contra isso.

Quantas voltasOnde histórias criam vida. Descubra agora