47 - Heloísa

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A obreira fica em silêncio por quase dez minutos. Conto tudo para ela. Quando digo tudo, é tudo mesmo. E ela ainda lança mais perguntas quando estou terminando um assunto. É um pouco difícil para mim, mas, apesar de ela ser, digamos, diferente de mim, ela me passa confiança ao tocar com uma firmeza suave meu braço.

Primeiro falo da minha família. Falar do relacionamento da minha mãe e do marido dela já me traz memórias doloridas no início da conversa. Não tenho o que falar dele, pois faz meses que foi para outra cidade e sumiu da minha vida. A obreira Ariana se lembra da minha mãe quando falo que ela usa umas blusas cheias de spikes e metal. Ela era rockeira e manteve o estilo.

Falo que estou bem de saúde, que ainda não trabalho e que ainda não tenho namorado. Ela comenta da minha blusa de frio, pois está calor. Não tenho motivos para esconder dela as marcas nos meus braços. Digo que me cortava. Que comecei quando andava com as meninas excluídas da sala de aula, que iam no cemitério e passavam o dia ouvindo música e desenhando na pele. Começou apenas com riscos de leve, mas uma delas começou a se machucar para valer. Logo a imitamos, mas depois de um tempo percebi que aquilo não aliviava o que eu sentia ao voltar para casa e ver meus pais brigando.

Dali para as tatuagens foi um pulo. Mostrei algumas que tenho menos escondidas: a da barriga e a rosa na coxa. Tenho ainda uma terceira, mas essa fica só para mim mesma; ninguém precisa saber.

E da última vez que me cortei, quando fui parar no hospital porque caiu alguma coisa no meu sangue.

Falo também de quando conheci a igreja. Confesso que só vim por causa do menino por quem estava apaixonada. Nunca quis ser de igreja coisa nenhuma. Mas peguei gosto por causa dele. Quando digo quem é o menino, a obreira diz que já deve tê-lo conhecido. Por um instante meu coração acelera. Como assim, conhece? De onde?

Não, coração. Você já me causou dor demais com esse sentimento.

Mas por que é tão difícil apagar isso?

Quando termino ela permanece em silêncio. A obreira nem deve ter prestado atenção. Eu sabia que ela não ia...

— Heloísa, só tenho uma coisa pra te dizer. Esquece esse rapaz, e foque em você. Eu vou te ajudar, mas só se você realmente quiser minha ajuda. Vamos fazer oração juntas, ler a Bíblia juntas, eu quero te ajudar. Mas você precisa fazer do jeito que estou dizendo. Pelo menos por enquanto não coloca ele em suas orações. Joga fora tudo que você ganhou dele, sabe? Esquece, e reveja suas prioridades. Você quase morreu, e podia ter perdido sua salvação, uai!

Sem rodeios, aceito a ajuda dela.

E desta vez não vou fingir algo só por causa de um homem. Serei eu mesma. Eu e a obreira Ariana.

Valeu pela nova chance, Deus.

Quantas voltasOnde histórias criam vida. Descubra agora