3 - Kleverson

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— Nunca! Onde já se viu, dublado melhor que original?

— Não é que seja melhor, cara, é que minha mãe não entende nadica de nada de inglês, e ela gosta de ver filme comigo, sabe como é...

Tenho poucos amigos, pois a maioria dos colegas da escola não gostam de mim. Parece que tenho um repelente na testa, ou pode ser meu estilo de barba e cabelo, por ser o único que não deixa tudo aparado. Ou talvez eles não achem normal quem vive só com a mãe. Eu também não acho, mas não faço tanto caso. Acostumei a ver meu pai só no final de semana. E olhe lá.

Mas Arnaldo é uma exceção. Desde o primário somos melhores amigos. Bem, nunca falei nessas palavras na cara dele, mas nem precisa. A gente sabe. E ele conhece minha situação.

— Bom, eu já não tenho esse problema.

Esta leva algum tempo para Arnaldo entender. Não tenho problema de meus pais não entenderem nada de inglês. Porque eles nunca estão juntos. Só a mãe, e ela não é de assistir muito.

— Mas então, Arnaldo... Agora falando sério — fico um pouco sem jeito, mas se posso pedir ajuda a alguém, seja para alguém que conheço e que sei que se importa comigo. — Você não tem alguma ideia do que posso fazer pra, sei lá, trazer meu pai de volta?

Paramos de andar. Algumas quadras abaixo vejo a placa da Praça da Juventude, um ponto de encontro bastante conhecido por aqui, com quadras e pista de skate. Estava bem movimentada nesse fim de semana, e é assim toda semana. Hoje, segunda-feira, é mais sossegada.

Um pouco mais vejo parte da fachada da escolinha de inglês, de onde estamos vindo. Arnaldo vai para casa e eu o acompanho para depois pegar um ônibus no ponto mais perto da casa dele.

— Pois é.

— Sabe, cara, não aguento mais essa vida, pai e mãe, só briga...

Mantenho postura firme, mas é difícil disfarçar. Como homem, tenho que ser forte diante de todos, capaz de resolver qualquer situação. Mas não é essa imagem que passo ao chegar ao ponto de pedir ajuda para alguém. É questão de pensar: a família do Arnaldo é unida. Ele poderia me passar seus segredos para eu alcançar uma vida assim.

— A vida é complicada. Cada um passa por uma situação, se eu te contar o que eu passo... Dá até vergonha! Mas é assim mesmo.

Arnaldo dá uns tapinhas em minhas costas e mantém um olhar distante.

— Hum, entendo.

— Ah, então fica assim — ele diz, sem tomar distância de mim, como se quisesse continuar a conversa.

— Falou.

Quantas voltasOnde histórias criam vida. Descubra agora