Minha visão se abriu. As palavras daquele pastor, para mim, foram muito mais interessantes que rappers, danças, bandas, todas as atrações culturais que foram apresentadas sábado.
Nunca mais vou aceitar ser inferiorizada, não importa o motivo. Ontem mesmo, mal comecei a semana e aquela Joana me recebeu com puro sarcasmo em vez de um bom dia. Meu sangue já anda borbulhando de tanto que ferve toda vez que a Joana fala comigo quando estamos a sós. Mesmo na presença de outros funcionários ela pouco disfarça. Chega a ser incrível a sua audácia. Esta que dura até o fim do expediente.
— Já vai, Dixie? Ah, sim, hoje o pessoalzinho da prefeitura tá recapeando o asfalto, então devem estar precisando de você com urgência. Vai logo. Ah, e aqui, leva esse presentinho pra você.
Vejo que ela segura um cacho de bananas. Como pode? Nem a pessoa mais racista do mundo aguentaria a mesma piada sem graça por mais de um mês. Passo o dedo no ponto e saio sem olhar para trás. Ninguém precisa me ver assim.
Cada passo parece o do Godzilla. Cada olho parece um emaranhado de teias de aranha vermelhas, escorrendo o orvalho da manhã. Cada músculo da minha face contraído deve promover rugas, com as quais não me preocupo agora.
— Ei, Ariana!
Valdir vem correndo, pouco depois que dobro a esquina.
— Ainda não terminou seu expediente, Valdir.
— Não tem expediente mais. Tô saindo fora.
— Uai, por quê?
— Como assim, por quê? Pensa que não sei como a Joana te trata? Mesmo quando vocês estão sozinhas, não tem como não ouvir a voz irritante dela.
Passo a mão nos olhos para tirar as lágrimas. Valdir põe a mão no meu ombro.
— Ariana, você não precisa aguentar essa humilhação. Você é forte, é capaz, e o principal, Deus é contigo. Você tem visão, é lutadora...
— Preciso do emprego, senão eu e minha mãe vamos passar necessidades. — Mais do que já passamos, mas Valdir não precisa saber.
— Veja, eu estou saindo da Reemid não só por causa daquela gerentezinha, mas também porque nestas últimas semanas o meu negócio tá arrebentando. Sabe que eu também tenho meus negócios à parte, e essa semana deu bom.
— Que ótimo.
O sol escondido em densas nuvens torna o ambiente um pouco cinzento, como meus pensamentos em relação à Reemid.
— Bem que você podia vir comigo, a gente trabalhar por conta. Você tem muito potencial, e todo esse potencial tá sendo desperdiçado na Reemid.
Até que ele tem razão. Toda.
— Mas você que sabe. É como aquele pastor falou no Saiba Dizer Não: O que os outros dizem ou deixam de dizer da gente não importa, e sim as nossas escolhas.
— Já que você falou disso, sabe se tem como eu falar com aquele pastor amanhã?
— Aquele não, mas o daqui também pode te ajudar. Todos estão no mesmo espírito.
Valdir parece bastante empolgado. Talvez por falar da igreja dele, ou por estar dando certo seu negócio, ou talvez... por estar com uma gata como eu... Não sei, mas ele passa uma energia tão boa, que continuo conversando com ele mais um pouco. Depois que chegar em casa, penso no que farei a respeito da gerente.

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Quantas voltas
Ficção GeralO preconceito começa dentro de casa, quando nem a mãe acredita que Ariana possa ser grande. Após se mudar para uma cidade maior em busca de novas oportunidades, conhece a fé no mesmo grupo de Arnaldo, o jovem mais bonito de sua igreja, mas também o...