59 - Arnaldo

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Falar que vai dar certo é besteira. Aliás, acho que nem vai mesmo. Mas não tenho escolha senão ir em frente. A arma eu já tenho. Falta segurar firme, parar de tremer como uma vara verde. Tinha que aprender a atirar, mas espero que isso não seja necessário. Minha intenção não é machucar ninguém. Só preciso do dinheiro para a minha irmã.

O próximo passo é arrumar uma moto. Consegui falar com um dos meninos que fazem a segurança do Espaguete, e ele disse que o melhor lugar para descolar uma moto é no estacionamento do Shopping Veneza, pois não tem guardinhas. Infelizmente o movimento está fraco nessa madrugada de primeiro de janeiro. Mas ainda assim tem um par de motos.

Por que estou fazendo isso? Sim, minha irmã precisa de mim. Ela é tudo que tenho, não posso perdê-la. Farei o que for preciso. Que Deus me perdoe pelo que estou prestes a fazer e me ajude a sair dessa ileso. Não tenho outra opção. Esperar não é opção. Estou esperando desde sempre pela resposta de Deus, e ele ainda não respondeu meus votos. Quanto tempo essa espera demora? Deve ser mais do que o tempo que minha irmã tem de vida.

— E aí, Aleluia. Escondidinho atrás dessa árvore pra quê?

Olho para trás e a menina que fica com o Espaguete está tão perto que sinto sua respiração. Num pulo me afasto dela.

— Dá licença que eu tô ocupado agora.

— Ai, que isso? Por que tão bruto? Só estou querendo dar um rolê.

— Sai daqui. Você vai me dar problema.

Não é a primeira vez que a mulher do Espaguete dá em cima de mim. Ela é sim, muito bonita, olhos puxadinhos, mas se o Espaguete ver, é meu fim!

— Você não me acha bonita? — ela diz tentando me abraçar.

— Aline, vai embora, por favor. Eu não estou muito bem!

Meus reflexos, apesar de estarem atentos, não ficam rápidos com toda a adrenalina que corre nas minhas veias. Num segundo de fraqueza, permito que Aline me beije. E mais um segundo. E vários.

— Aleluia, me leva pra dar uma voltinha de moto?

Depois disso, perco toda a razão. Vamos até o estacionamento das motos de mãos dadas. Mãos suaves, tanto quanto as da Heloísa. Heloísa? Por que ela veio agora na minha mente?

Ouvimos uma terceira moto chegando, mas Aline me acalma dizendo que não é a polícia, e montamos na Kawasaki amarela.

Quando ela chega, porém, eu preferiria que fosse.

— Que p****** é essa?

Espaguete chega chegando. Mal estaciona sua moto e saca a pistola apontando-a para mim.

— Calma, Espaguete. É... é sua essa moto?

— Minha é essa mina. Vacilou, cara! Tu passou dos limites! Tu tá morto!

Um tiro! Sinto o vento passando debaixo da axila direita. Do outro lado do estacionamento uma lanterna é acesa. Alguém vem correndo. Só pode estar armado também!

Tremo tanto que quase levo outro tiro enquanto pego a minha arma. Antes de Espaguete tentar um terceiro disparo, consigo o milagre de acertá-lo na primeira! Isso porque nunca atirei na vida, nem nos videogames. O segurança vem chegando e eu pulo na Kawasaki e saio disparado. Aline faz o mesmo com a moto do Espaguete. Já ele, com a perna atingida, não consegue correr.

*

Sigo na estrada para Sérkera, mas os pensamentos estão para lá dos limites da Via Láctea. De um lado parece que Deus me deu um livramento, mesmo sem eu merecer. Por outro, não entendo porque ele fez isso. Sei que não estou lhe agradando, mas ele ainda me protege dessas burradas.

Deus, me desculpa, eu não sei o que está acontecendo comigo. Esse não sou eu! Me ajuda a voltar a ser quem eu fui um dia, ou até quem nunca fui, e voltar verdadeiramente para o Senhor. Perdi tudo que tinha e até eu mesmo estou perdido, sem saber o que fazer. Ajuda! Dá uma luz!

Quantas voltasOnde histórias criam vida. Descubra agora