Senhor, me ajuda! Já faz mais de duas semanas que estou livre (mais ou menos) e ainda não consegui encarar meus velhos amigos da igreja. Será que vão me julgar? Sempre disseram que não julgavam ninguém, mas será que é verdade? É a hora de eu provar.
Mas tem uma pessoa que eu creio que não me julgaria. Ela acredita em mim tanto quanto Deus. É com ela que vou falar primeiro. Não consegui chegar até ela naquele evento porque os outros jovens estavam ao redor dela, e eu não queria aparecer assim de repente para eles. Não sei qual seria a reação deles, nem a minha reação à deles.
Se estou certo, daqui a pouco ela sai da aula. Por aquele portão. Já estão saindo alguns alunos. É quase hora de bater o sinal. Fico aqui meio escondido, na calçada do outro lado da rua, atrás de um carro, até ver aquela baixinha de olhos puxados saindo sozinha no meio dos outros. Quanto tempo faz que não vejo seus olhos de perto, sem nada além do ar nos separando? Ando rápido para me encontrar com ela antes de chegar à esquina.
— Arnaldo? Arnaldo!? O que você tá fazendo aqui? — ela diz olhando para todos os lados. Parece preocupada com quem pode estar nos vendo. Sinto-me distante dela. Nem consigo ver seus olhos, eles não focam em mim.
— Um milagre aconteceu, Helô. Estou livre! Bem, ainda preciso usar esse treco na perna, mas posso sair e voltar a ter uma vida...
Só depois penso que não vai ser fácil voltar à vida que tinha antes. Como vou trabalhar agora? Quem vai dar chance para um ex-presidiário? Quem vai acreditar na minha inocência? Heloísa não firma o olhar em mim. Será que ela também não está acreditando em mim?
— Eu... fico feliz que você tenha conseguido sair — ela diz com um sorriso mais forçado que o meu choro diante do altar antigamente —, mas preciso ir para casa. Minha mãe tá me esperando lá pra gente, sabe, sair. Vou indo. Pega firme com Deus, tá, Arnaldo, ele nunca esqueceu de você.
Ela vai embora sem olhar para trás. Já longe percebo que ela leva as mãos ao rosto antes de sumir da minha vista. Faço o mesmo ao perceber alguns alunos rindo de mim. Um aperto no peito. Será que ela não quer mais me ver?
Vou para casa, sem falar ou olhar para os outros, e sem saber como está o local depois de cinco meses sem cuidados.
Ah, Jesus! Tenha misericórdia de mim. Ajuda-me a suportar tudo. Estou só imaginando que provas mais vou passar, e se o Senhor não me der a sua força, seu Espírito, tô perdido! Socorro!

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Quantas voltas
General FictionO preconceito começa dentro de casa, quando nem a mãe acredita que Ariana possa ser grande. Após se mudar para uma cidade maior em busca de novas oportunidades, conhece a fé no mesmo grupo de Arnaldo, o jovem mais bonito de sua igreja, mas também o...