Fico um pouco desconsertado depois de um jovem casal rejeitar nosso último convite antes de voltarmos para a igreja.
— Tem gente que tem a mente fechada — diz Arnaldo. — É um círculo vicioso: eles não conseguem entendem a fé, por isso não creem, daí por não crerem não acontece nada sobrenatural na vida deles, daí por não verem nada pensam que a fé é besteira.
Acho que ele está certo. Tem lógica esse pensamento. Mas, por outro lado, tira toda a esperança de ver pessoas como essas se voltando para Deus.
— Não adianta oferecer a água mais limpa do mundo pra quem não tá com sede. Um dos primeiros pastores que passou aqui disse isso uma vez. Ou melhor: ex-pastor; ele saiu da obra.
Uma puxada no canto da boca sugere que Arnaldo achou engraçado o que disse. Quase rio, mas no mesmo instante algo me diz que ser ex-pastor não é engraçado. Arnaldo volta a olhar para o chão à sua frente até chegarmos à igreja.
— Arnaldo, posso perguntar uma coisa?
— Manda!
— Você tá bem?
— Ué, por quê? — ele diz com olhos arregalados.
— Nada. Só pra saber como tá o meu amigão — digo envolvendo-o com um braço. — Foi por pouco, hein, Arnaldo!
Arnaldo solta uma risada antes de continuar.
— Tá falando daquele carinha armado? Nossa, ali foi tenso.
— Cheguei a gelar quando a menina apontou a arma pra gente.
*
Após a reunião, Arnaldo vai embora com pressa, nem para na roda dos jovens, apesar de ser o cabeça da tribo. Fazemos uma oração pelos jovens, tanto os firmes quanto os afastados, e a obreira Rodi fala para voltarmos amanhã para buscar o Espírito Santo, depois de amanhã na Terapia do Amor, e sábado no Conexão, obviamente. Certo, mas Terapia do Amor... não sei se isso é para mim.
— Kleverson!
A obreira me pede para esperar um pouco. Não me despeço dos outros jovens, pois pensei que iria com eles. Já estão na calçada, e eu não acho bom gritar daqui de dentro da igreja. Apenas olho para eles enquanto posso vê-los pelas portas de vidro. Nem olham para trás, como se não se lembrassem de mim. Tudo bem, devem estar com pressa, já que ouvi comentários sobre uma série que começa hoje. Sobre Davi.
A obreira me pergunta sobre tudo: como está meu relacionamento com a família, como estão os estudos e o trabalho, se tenho alguma dúvida, até se estou gostando de alguém. Fico com vergonha de responder algumas questões, outras nem sei o que responder, mas tento. É difícil se abrir com alguém que não conhecemos bem, mas só de querer saber como estou já percebo que posso confiar.
Em poucos minutos sinto um peso a menos. Digo a ela como meu melhor amigo estava se distanciando não só de mim, mas o pior, de Deus. A obreira diz, entre outras coisas, para me preocupar antes comigo.
Era verdade o que ela disse sábado passado: Assim como uma comida estragada faz mal, e precisamos vomitá-la para ficarmos bem, tudo que está dentro de nós fazendo mal tem que ser colocado para fora, seja falando com Deus ou até com alguém de confiança. Dúvidas, sentimentos, pensamentos, tudo que faz mal.
Assim volto para casa leve. Porém preocupado com meu amigo.
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Quantas voltas
Ficción GeneralO preconceito começa dentro de casa, quando nem a mãe acredita que Ariana possa ser grande. Após se mudar para uma cidade maior em busca de novas oportunidades, conhece a fé no mesmo grupo de Arnaldo, o jovem mais bonito de sua igreja, mas também o...