Por volta das seis da tarde, a chuva finalmente deu um tempo. Renato estava deitado na cama, lendo Sandman, quando ouviu o barulho do carro da mãe se aproximando. O passeio dela, da avó e de Susy finalmente acabara e sua paz estava ameaçada. O que você fez o dia todo? Ficou tudo bem? Teve algum problema?, já dava para imaginar o questionário que a mãe faria a ele assim que se encontrassem. Por essas e outras, seria melhor ficar dentro do quarto sem dar o ar da graça na sala por um bom tempo. Pelo menos até que a curiosidade da mãe passasse.
O motor da CRV ficou em silêncio lá fora. Alguns minutos depois, a casa foi tomada por risos e conversas inteligíveis. Nitidamente, a visita que sua mãe, avó e irmã fizeram a tal velha amiga de infância de Joana tinha sido animadora. Embora não pudesse entender o que estavam falando, os risos e o barulho eram incômodos. Renato atirou o livro do Sandman no criado-mudo, puxou o travesseiro e cobriu a cabeça na tentativa de abafar a felicidade explícita que vinha do andar de baixo da casa. Impossível. Elas riam e falavam alto.
Renato conferiu as horas (eram dezoito e cinquenta) e lembrou-se do convite de Wesley. Não demoraria muito e ele apareceria para pegá-lo e levá-lo à quermesse. Uma quermesse? Que horror! De onde Wesley tirou aquela ideia maluca? Quando ele imaginou que Renato fosse um cara que frequentasse quermesse? O cowboy só podia estar ficando doido! Renato nunca, em hipótese alguma, iria a um lugar desses. A imagem de um bande de caipiras usando chapéus e botas já lhe parecia patética e a possibilidade de passar um bom tempo exposto a música sertaneja, era o fim da picada. Você está sendo preconceituoso. Não, não era preconceito, era apenas gostos diferentes, o rapaz repetiu para si mesmo mentalmente. Quermesse não era digamos assim... seu habitat natural.
Definitivamente não! Renato não aceitaria o convite de Wesley. Claro, considerando que o convite tivesse sido sério. Talvez ele, o cowboy, estivesse apenas brincando, pregando uma peça, divertindo-se às suas custas, imaginou Renato. Essa era uma possibilidade real... Mas, e se fosse verdade? E se o convite fosse sério? E se Wesley estivesse mesmo a fim de levá-lo para se divertir um pouco (divertir-se em uma quermesse? Ah tá)? Wesley não parecia ser o tipo de cara que ficava tirando onda com as pessoas. Ele parecia ser um rapaz correto.
Considerando a possibilidade de aquele convite ter sido pra valer, Renato decidiu que, assim que Wesley chegasse, daria uma desculpa qualquer e não iria a lugar algum com ele. Primeiro porque ele era um fã de Rock And Roll e não cairia bem para um adepto do bom e velho rock sair por aí frequentando quermesses em portas de igrejas. Era um descabimento sem tamanho. Segundo porque os dois nem eram amigos, eles tinham se visto poucas vezes, não tinham tanta intimidade assim. Como alguém poderia convidar uma pessoa com a qual trocou meia dúzias de palavras para dar "uma volta por aí"? Coisa mais sem nexo.
- Na boa, o que esse cara quer comigo, afinal? – questionou-se Renato.
Sua cabeça começou a fervilhar. Os pensamentos iam e vinham confusos. Será que Wesley teria percebido alguma coisa? Desde que chegara à fazenda da avó, Renato não fizera outra coisa a não ser espiar o rapaz sempre que tivera oportunidade. E se em uma dessas espiadelas, Wesley tivesse catado o seu interesse por ele? O rapaz sentiu as mãos geladas e um calafrio percorreu seu corpo. Então era isso: Wesley já teria percebido seus olhares gulosos e estava armando alguma cilada, pensou Renato.
Agora, mais do que nunca, Renato precisaria escapar daquele convite. Ele não ia aceitar ser confrontado por um caipira qualquer. Ou quem sabe, coisa pior. De repente, Renato lembrou-se da imagem de Carrie White sendo coberta por sangue de porco na festa da escola. Wesley disse que iria apresentá-lo a alguns amigos. Que tipo de amigos aquele cara poderia ter? Provavelmente um bando de rapazes broncos, medievais, preconceituosos e homofóbicos. Rapazes dispostos a ajudá-lo a ridicularizar Renato em frente a cidade inteira.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre Meninos (Romance gay) - Concluído
Teen FictionQuando a mãe de Renato o avisa de que eles passarão o mês de férias na fazenda da avó, o rapaz fica indignado. Amante de roque, cinema, séries e literatura; Renato é um típico menino da cidade. Passar um período entre vacas e cavalos, no meio do mat...