Cap. 57 LIGANDO OS PONTOS

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Joana deixou o quarto da filha com um aperto no coração. Aflita, ficou de frente para a porta por alguns minutos sem saber o que deveria fazer exatamente. Era possível ouvir os sussurros que vinham lá de dentro. Nada que ela pudesse entender completamente. Nitidamente, Suzy havia baixado o tom e falava sussurrando com a amiga.

Desde criança, ainda em Rio das Pedras enquanto curtia a vida na fazenda, Joana sonhava em ter uma família grade e feliz. Chegando – naquela tempo – a se imaginar mãe de cinco ou seis filhos. Usando como referência suas bonecas, Joana criara em sua mente uma família enorme. Bem diferente daquela que conhecia, em que só havia duas pessoas: ela e a mãe. Seu pai ela não conhecera, pois ele morreu quando ela ainda era um bebê; mas, assim mesmo, a médica sentia muita saudade dele. Ou talvez fosse apenas carência paterna.

Adulta e casada, Joana viu que entre a fantasia e a vida real existia uma distância considerável. Um ano após o nascimento de Renato, a médica tentou engravidar outra vez. Não deu certo. Após várias tentativas, ela chegou a pensar que não teria mais filhos. A ideia da família numerosa foi se desfazendo até que, do nada, veio Suzy. E Joana se sentiu a mulher mais feliz do mundo. Não eram os cinco filhos que tanto quisera, no entanto era mais do que apenas um.

Com dois filhos lindos, Joana achou que estava com a maternidade realizada. Também acreditou que estava construindo uma família feliz e harmônica. Sempre teve a certeza de que os filhos, tirando as briguinhas bobas de irmãos, eram grandes amigos. Sempre acreditou que um faria qualquer coisa para defender ou proteger o outro. Enquanto ficava ali parada olhando a porta do quarto de Suzy, ela chegou a conclusão de que nada disso estava acontecendo. Que vivera uma ilusão de uma família amorosa. Não. Isso não pode ser verdade! Meus filhos se amam!, tentou convencer a si mesma, porém com pouca convicção.

Mergulhada no turbilhão de seus pensamentos, Joana chegou à cozinha e andou de um lado para outro sem saber exatamente o que precisava fazer, enquanto apertava os dedos nervosa.

Respirando fundo, ela começou a agir de forma automática. Pegou um pacote de pães no armário, abriu e jogou quatro fatias sobre um prato e passou a montar dois sanduíches de queijo, presunto e patê de atum. Foi até a geladeira, pegou duas latinhas de Coca-Cola e as colocou na bandeja junto aos sanduíches recém feitos.

Franzindo a testa, ela observou a disposição do lanche sobre a bandeja. Pareciam desalinhados e bagunçados. A médica começou a trocar tudo de lugar, tentando achar a posição perfeita para cada um deles. Sem saber exatamente o que queria, ela mudou cada um dos itens de um canto para outro várias vezes, até que perdeu a paciência e apenas deixou os sanduíches à direita e os refrigerantes à esquerda. Que diabos eu estou fazendo, me preocupando com a estética de uma bandeja que será servida a duas adolescentes?, perguntou a si mesma.

Pressionando as têmporas, na tentativa de afastar uma pontinha de dor de cabeça que parecia se aproximar, Joana foi até a primeira gaveta do armário sob a pia e ficou alguns segundos mexendo os objetos lá dentro sem perceber o que estava fazendo e mais uma vez começou a se perder em pensamentos insistentes. Demorou alguns minutos para que ela retomasse o controle sobre a realidade; então apanhou um pacote de guardanapo e tentou ajeitar alguns deles sobre a bandeira, foi quando percebeu que suas mãos estavam trêmulas. Droga!. Abriu e fechou as mãos alguns vezes para espantar o tremor. Os comentários absurdos de Suzy a respeito de Renato ficavam martelando em sua mente.

Respirando fundo outra vez e tentando parecer normal, Joana ensaiou um sorriso meio forçado, meio choroso e voltou à bandeja, segurou firme as alças de bambu de modo que sentiu a mão ardendo e se colocou ereta em direção à porta.

- Eu devo estar ficando louca. A Suzy não disse nada daquilo, não é possível. Ela é uma menina tão adorável. Como ela poderia dizer aquelas coisas horríveis sobre o próprio irmão? Eu ouvi tudo errado.

Sem se convencer, Joana deu um passo e depois outro, quase de forma teatral, e deixou a cozinha rumo ao quarto da filha. Tudo indicava que seu sábado de folga seria longo e tenso.

Entre Meninos (Romance gay) - Concluído Onde histórias criam vida. Descubra agora