Joana olhou através da janela, a calçada estava bem movimentada. Ela conferiu o relógio: 22h10. Ainda estava muito cedo. Ela pegou o copo à sua frente e bebeu um gole generoso da cerveja gelada. Um alívio na tensão que sentira nas últimas horas. Como já tinha suspeitado, seu sábado não estava sendo fácil. Ela apertou os nariz entre os olhos e tentou não chorar. Mais cedo, depois de levar o lanche para Suzy e a amiga, ela havia se trancado no quarto e deixado o choro vir. Precisou de muita água gelada no rosto e um pouco de maquiagem para que Renato não percebesse nada, quando foi se despedir do filho, que estava saindo para o que, na memória de Joana, era sua primeira balada.
- Vai ficar com essa cara a noite toda? – perguntou Carola, sentada na cadeira em frente à médica e batendo com os dedos na mesa. – Não vimos aqui para fazer silêncio. Oi foi?
- Só estava pensando...
- Amiga – Carola inclinou-se para frente. –, você já vem pensando, remoendo, refletindo esse assunto há horas.
Joana respirou fundo. Estava cansada.
- Eu não sei o que fazer. Não sei como lidar com isso. Talvez eu tenha entendido tudo errado.
Carola também bebeu um pouco da cerveja que estava à sua frente.
- Para, Joana. Como assim entendeu errado? Pelo que você me contou, não tem como entender alguma coisa errado aí, amiga. Está tudo muito claro.
- Estamos falando da minha filha, Carola.
- Estamos falando de uma pessoa... independentemente de quem ela é filha.
Joana voltou a olhar através da janela e deu de ombros.
- Ela é uma criança.
- E isso quer dizer o quê? – quis saber Carola.
- Ela não pode ser tão má assim.
A mão de Carola pousou sobre a mão de Joana.
- Joana, você está terminando sua especialização em psiquiatria. Ou seja: você, melhor do que ninguém, sabe que o fato de estarmos falando de uma criança não quer dizer nada. Crianças não são, necessariamente, anjinhos fofinhos... aliás, quase nunca são – Carola bufou e recostou na cadeira.
- O que você quer dizer com isso? – Joana encarou a colega, franzindo a testa. – Está me dizendo que a Suzy é alguma espécie de Kevin? Uma psicopata infantil? – a médica sacudiu a cabeça em tom negativo. – Não. Isso não é possível.
- Não estou dizendo que se trate de uma psicopata infantil, mesmo porque, não sou médica pra fazer essa avaliação. Mas ela pode ser apenas uma garota má.
A música foi trocada. Colocaram alguma outra dupla sertaneja no sistema de som do bar. Joana pegou alguns palitos de batata e colocou na boca. A batata já havia perdido a crocância, mas o seu sabor salgado trouxe um pouco de prazer à médica.
- A Suzy é uma menina mimada. – começou Joana. – Tem um gênio complicado, todo mundo sabe disso, mas daí a ser uma psicopata, há uma distância enorme. E depois, é comum que irmãos tenham desavenças.
- Sei... – Carola tomou mais cerveja.
Joana começou a negar com a cabeça outra vez. Abriu a boca para dizer alguma coisa, mas continuou muda.
- O que passou pela sua mente? Coloca para fora – incentivou Carola.
- Nada não...
- Joana, você já está na terceira cerveja.
- E daí?
- E daí que você nunca bebeu tanto em tão pouco tempo. Exceto quando está tensa. – Carola deu uma olhada ao redor, o bar cada vez mais cheio. – Eu te conheço. Não adianta fingir que está tudo bem.
Joana tamborilou os dedos sobre a mesa, remoendo o fantasma que a rodeava.
- Não sei... – disse ela finalmente. – É que... tem também aquele discurso homofóbico que a Suzy fez pra amiga dela. Isso é que tem incomodado mais. Veja bem – Joana inclinou-se sobre a mesa. – Como eu já disse, é normal que irmãos briguem. Faz parte da natureza humana. Eu poderia lidar muito bem com alguns conflitos adolescentes dentro da minha casa. Mas toda aquela homofobia da Suzy. Não. Aquilo não é normal. Ela não foi criada com esse tipo de pensamento. Se bem que... – Joana cortou a frase, bufou e recostou na cadeira.
- Se bem que o quê? – provocou Carola, esperando que a amiga continuasse se abrindo.
- Se bem que o pai dela nunca escondeu de ninguém que não é muito simpático com esse lance de homossexualidade.
Carola apertou o tubo de ketchup sobre as batatas, antes de comer algumas.
- Sério? E como ele lida com a questão do Renato?
- Não lida. – Joana voltou a recostar-se na cadeira. – Eu acho... Até porque, eu penso que ele não saiba nada sobre a orientação sexual do Renato. Deve desconfiar, mas não fala sobre o assunto. O Renato segue fingindo que não é e o pai finge que não vê.
- Entendi.
- Mas eu tenho quase certeza de que, quando tudo vier à tona, ele pode até ficar chocado no início, mas vai acabar se acostumando e aceitando. Ele é o pai, né? Ele ama o filho.
Os dedos de Carola dançaram no corpo da garrafa de cerveja, enquanto ela encarava a amiga sem dizer nada. Joana estava tentando convencer a si mesma de que o marido iria apoiar o filho, mas Carola podia apostar a conta da noite que, lá no fundo, a médica não era capaz de garantir aquilo. Mas não seria ela quem iria por a amiga contra a parede. Não naquele momento.
- Tomara que você tenha razão. – Disse a enfermeira, meio evasiva.
- Eu também.
Joana acenou para o garçom, indicando que precisava de mais cerveja.
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Entre Meninos (Romance gay) - Concluído
Teen FictionQuando a mãe de Renato o avisa de que eles passarão o mês de férias na fazenda da avó, o rapaz fica indignado. Amante de roque, cinema, séries e literatura; Renato é um típico menino da cidade. Passar um período entre vacas e cavalos, no meio do mat...