Cap. 39 - De peito aberto

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A CR-V de Joana virou à esquerda, na pequena entrada de cascalhos cercada de árvores gigantescas dos dois lados, avançou por uns três quilômetros de curvas fechadas e parou em frente ao enorme portão de aço, preso em monumental muro de pedras encardidas pelo tempo. Ela abriu o vidro do carro e apertou o botão do interfone preso à estrutura de canos de ferro. Um chiado breve de estática a fez recuar um pouco com os olhos fechados e uma careta. Levou uns dez segundos, antes que alguém do outro lado atendesse.

- Pois não? – disse uma voz masculina e jovem.

- Doutora Joana. Estou de plantão hoje.

- Número da matrícula por favor.

Joana franziu a testa, confusa.

- Como é que é?

- Sua matrícula funcional, por favor – repetiu a voz.

- Escuta... quem está aí?

- Fabrício Mota, senhora.

- Fabrício Mota? O que houve com o seu Astolfo?

- Seu Astolfo dos Anjos? Ele se aposentou, senhora. Tem três dias.

Joana meneou a cabeça afirmativamente.

- Entendi...

- Quem a senhora disse que é mesmo?

- Doutora Joana, residente em psiquiatria.

- Matrícula?

- 2350PQ

Houve um breve silêncio, cortado apenas pelo som de teclas sendo digitadas do outro lado. Joana recostou-se no banco e respirou fundo. Ela havia passado um mês fora, pelo visto algumas coisas tinham mudado por ali. A começar pela aposentadoria do sempre prestativo seu Astolfo. O plantão dos dois sempre coincidia. Desde que ela começara a residência de sua especialização em psiquiatria, Astolfo era quem abria o portão para ela, e há tempos ninguém precisava lhe pedir a matrícula, para que ela tivesse acesso ao local. Ia sentir falta daquele senhor sorridente e bonachão. Sem dúvida, uma luz nas trevas que, às vezes, tomava conta daquele lugar.

- Doutora Joana? – disse a voz.

- Sim.

- Acabei de conferir seus dados aqui e estou vendo pelas câmeras que a placa de seu carro confere com a do nosso sistema. Já vou abrir o portão para a senhora. Tenha um bom dia.

- Obrigada.

Ao atravessar o muro (quase trinta centímetros de puro concreto e pedras, dizia Astolfo, sempre que tinha a oportunidade), Joana deu uma pequena olhada para as câmeras cravadas no alto do arco de cimento, no pequeno vão entre o portão de aço e o muro. Duas de uma centena de outras câmeras espalhadas pelo complexo. Desde que chegara ao ISMPB (Instituto de Saúde Mental Policarpo Bacamarte), a médica se sentia em um verdadeiro Big Brother Brasil. Sempre observada pelos besourinhos (como os funcionários chamavam as câmeras) escondidos aqui e ali. Todos naquele lugar eram vigiados vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana.

Joana seguiu direto para sua vaga exclusiva no estacionamento do instituto, recolheu os prontuários espalhados sobre o banco do carona, colocou-os dentro de uma pasta, pegou sua bolsa e seguiu em direção à entrada do prédio.

Parada no batente, diante da porta de madeira, Joana olhou para outra câmera e estampou um risinho forçado. Alguns segundos depois, ouviu o som da porta destravando e, finalmente, pode entrar no instituto.

Seguindo pelo corredor branco, impecavelmente limpo e gelado, ela logo chegou a recepção. Carola, a enfermeira responsável pela função de atender o público e recepcionar os funcionários de segunda a sexta, abriu um sorriso farto ao ver a médica.

Entre Meninos (Romance gay) - Concluído Onde histórias criam vida. Descubra agora