Assim que saiu da biblioteca, Renato assustou-se ao dar de cara com Suzy, que estava com o ouvido grudado na porta, com certeza tentando ouvir alguma coisa do que tinha havido lá dentro.
- Caralho, Suzy! Você tá se superando, sabia? Cada dia mais baixa! Agora deu para escutar atrás das portas também?
- Só quando o assunto me interessa – respondeu, debochada, a garota.
- Cadê minha avó? – quis saber Renato, enquanto conferia a sala a procura de Vanda.
- Foi na cozinha, acho que pra ver se o jantar já tá pronto. Parece que a avó do seu namoradinho tá atrasada com o serviço dela. Também, naquela idade, a vovó queria o quê?
- É sério isso que você tá falando?
- A vovó deveria era demitir aquela lá...
- Você é ridícula, garota.
- Uma velha daquela deveria estar numa casa de repouso.
Renato deu um passo na direção da irmã, olhando-a da cabeça aos pés e procurou uma fagulha de bons sentimentos por aquela menina dentro do seu coração. Não achou nada, só conseguiu sentir asco por ela.
- Essa sua personagem já cansou – disse Renato. – Eu sei que você está querendo passar uma ideia de garota fodona, maquiavélica. Mas quer saber? Você mirou na Menina má, do William March, mas acabou acertando a personagem de outro Willian: a Regan de O exorcista... tem hora que eu acho que você está mesmo com o diabo no corpo. E olha quem nem em diabo eu acredito.
Suzy franziu a testa intrigada.
- Nem sei quem são essas aí... não faço ideia do que você está falando.
Renato deixou escapar um risinho sarcástico.
- É claro que não faz. Embora não perceba, você é muito burra! – ele respirou fundo. – Eu não esperava que você reconhecesse as referências mesmo.
Suzy colocou uma mecha de cabelos atrás da orelha direta, fez um bico, mordendo a língua. Em seguida, botou as mãos na cintura. Não ia passar recibo de derrotada para o irmão.
- E aí? O que você decidiu sobre minha proposta?
- Quer saber? Eu caguei pra você e pra sua proposta! – explodiu Renato, passando pela irmã, pisando firme e esbarrando nela de propósito. Fazendo com que Suzy se desequilibrasse e quase caísse sobre o sofá, precisando se apoiar no braço do móvel a fim de evitar a queda.
Renato seguiu em direção à cozinha. Suzy, depois de retomar o equilíbrio o mais rápido que pode, subiu o tom da voz, na intenção de que o irmão – que já estava quase sumindo da sala – pudesse ouvi-la.
- Sedução de menores!
Renato ficou paralisado a menos de dois passos da porta de saída da sala. Virou-se lentamente e encarou a irmã. Suzy se apoiava com o braço esquerdo sobre o sofá de couro marrom e mirava o irmão com ar de vitória. Renato voltou alguns passos, até ficar a menos de um metro da menina. Ele podia sentir seu corpo formigando, fruto da adrenalina, ou poderia ser simplesmente a raiva crescente.
- Do que você está falando?
Suzy engoliu em seco. Ela tentava passar aquele ar de garota invencível, mas estava com medo. Renato vinha se transformando em alguma coisa completamente imprevisível nos últimos dias. Uma pessoa totalmente diferente do babaca que ela sempre julgou que ele fosse. Ela sabia que o irmão estava acuado e isso, aparentemente, tornava-o um garoto instável.
- Seu namorado tem o quê? Dezoito... dezenove anos? Já você tem só dezessete. Ou seja, ele é de maior e você é de menor. – Ela fez uma pausa. – Como disse meu amigo Juliano, acho que isso é crime, né?
Renato respirou fundo e segurou a vontade de socar a cara da irmã.
- Em primeiro lugar, as expressões "de maior" e "de menor" nem existem, sua anta! Em segundo lugar, nunca aconteceu nada entre mim e o Wesley. E terceiro, você e seu amigo Juliano são dois imbecis. Eu já passei dos quatorze anos. – Renato inclinou-se em direção à irmã. – Quando eu ficar com o Wesley, e para o seu governo, isso vai acontecer logo, vai ser uma relação consentida. Pede pro seu amiguinho Juliano pesquisar sobre relações consentidas. E aceita que ele perdeu a vez!
Suzy desviou-se do irmão e se colocou do outro lado do sofá. Sentiu que estaria mais segura com um móvel entre os dois. O olhar de Renato a assustava.
- É... eu li alguma coisa na internet sobre esse lance de consentimento, dos quatorze anos mesmo e tals. Mas e daí, né? Pensa bem: o papai é um oficial da polícia, você acha mesmo que ele e os amigos dele estão preocupados com esses detalhes? – Suzy começou a passar os dedos lentamente pelo encosto do sofá, alisando-o enquanto falava. – Tenho certeza de que na cabeça do papai, a história vai ser de um cara mais velho seduzindo seu filho com menos de dezoito anos. Até imagino o que um bando de homofóbicos da polícia vai pensar dessa história. Talvez até sobre alguma coisa pro seu namoradinho.
Respira. Respira fundo e se controla. Não vale a pena partir a cara dessa vaquinha agora. Mesmo ela merecendo. Você sabe disso, disse Renato a si mesmo mentalmente.
- Qual o seu problema, garota?!
Suzy encolheu os ombros.
- Problema quem tem é você. Comigo tá tudo ótimo.
Renato abriu a boca para dizer qualquer coisa, que ele nem sabia exatamente o que era, talvez um insulto ou algo do tipo, mas foi interrompido pela porta da biblioteca se abrindo e seus pais entrando na sala.
- Oi, meus amores, tá tudo bem aqui? – quis saber Joana, percebendo um clima tenso entre os filhos.
- Tá tudo maravilhoso, mãe – garantiu Suzy. – A gente só estava esperando vocês pra ir jantar, não é verdade, Renato?
Renato engoliu a raiva e tentou parecer sereno.
- É isso aí – disse.
- Ótimo! – Manuel bateu palma, num falso contentamento. – Então, vamos jantar, né? Tô morrendo de fome.
- Eu também, pai – disse Suzy, abraçando Manuel e seguindo com o pai para a sala de jantar. Jogando um beijinho para o irmão, quando passaram por ele.
Joana foi atrás, enquanto Renato permaneceu imóvel por alguns segundos. Ele preferiu que todos fossem na frente. Não queria que sua aura se misturasse a daquelas pessoas.
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Entre Meninos (Romance gay) - Concluído
Roman pour AdolescentsQuando a mãe de Renato o avisa de que eles passarão o mês de férias na fazenda da avó, o rapaz fica indignado. Amante de roque, cinema, séries e literatura; Renato é um típico menino da cidade. Passar um período entre vacas e cavalos, no meio do mat...