Angústia

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Ouvi várias coisas ao mesmo tempo, distantes, confusas. Eu estava instável, numa travessia desconhecida, me deu a impressão de que minha alma se dirigia ao purgatório. No começo foi solitário, esporadicamente barulhento, um anjo resmungava — será que era um anjo do inferno? —, uma gritaria e um silêncio absoluto, assim permanecendo até um bip surgir do além no pé do meu ouvido.

A irritação conseguiu me recobrar a consciência, e, com algum esforço, abri os olhos. A boa noticia é que eu estava viva. A ruim é que estava no hospital. O quarto branco inconfundível se iluminava pelo sol, e por isso demorei a me acostumar com a claridade, não conseguindo ver um palmo à minha frente.

— Faith? — a voz ansiosa vinha do meu lado direito.

Segui o som, e após piscar algumas vezes, vi a silhueta de Justin bem ao lado da cama. Saber que ele estava ali trouxe uma paz intensa no coração, finalmente me aliviando de toda a tensão. Senti um sorriso se abrindo em meu rosto e alcancei sua mão para segurá-la na minha.

— Justin — murmurei extasiada.

Todo seu rosto se contorcia de angústia. Isso me alarmou, então inspecionei meu corpo a procura de alguma queimadura grave. Não havia nada além de uma agulha em meu braço — provavelmente para injetar soro — e uma inaladora em meu rosto.

— Como se sente? — ele afagou minha mão com o dedão.

— Bem — respondi com a testa franzida, a inaladora me sufocava e agulhas não eram meu forte. Para ajudar, as memórias voltavam lentamente para minha cabeça, não me deixando esquecer o desespero da ideia de morrer queimada.

— Sua mãe está lá fora, vou chamá-la.

Segurei forte sua mão, implorando que não me deixasse. Eu não queria ficar sozinha, não depois de passar por todo aquele tormento sem ninguém.

— Fica.

Ele torceu a boca, pensando.

— Como eu saí de lá? — minha voz ficava abafada com o inalador, então fiz menção de tirar. Ele segurou minha mão para que eu não fizesse.

— Você fica quieta, eu falo — barganhou com uma espécie de sorriso, persuadindo.

Concordei, ficando imóvel imediatamente. Ele se aproximou mais, baixando os olhos em nossas mãos unidas, se apoiando na cama e inclinando-se sobre mim.

— Eu resolvi subir para te esperar. Ficar sozinho com aquelas mulheres não estava sendo uma tarefa muito fácil — dei uma risadinha, entendendo o que dizia. Deixá-lo indefeso não era uma boa ideia. Seus olhos voltaram para mim, refletindo meu sorriso por um momento até que sua fisionomia ficasse seria. — Eu escutei você chamar meu nome — ele fechou os olhos, lembrando — A ideia de ver você queimando...

Sua expressão se contorceu em dor, a mão se fechando em volta da minha com força. Vê-lo daquela forma esmagou meu coração, me dando a necessidade de tocar seu rosto e diluir tudo o que o perturbava. Estiquei a mão esquerda, passando a ponta dos meus dedos em sua bochecha. Assim, ele me olhou com uma intensidade indecifrável, a mão se colocando em cima da minha em seu rosto.

— Perdão... Por não chegar mais cedo... Por não estar lá para você.

Não gostei que se culpasse e neguei com a cabeça. Ele viu minha intenção de falar, então se adiantou:

— Se comporte para sair logo. Você respirou muita fumaça. Mas vai ficar bem. Vai dar tudo certo.

Tive a impressão que as últimas frases ele repetia mais para si mesmo. Não era justo que assumisse a responsabilidade pelo incidente. Estava prestes a perguntar se ele sabia o que havia causado o incêndio quando ouvi os gritos de Eleanor fora do quarto.

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