Brincadeira de Mau Gosto

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Não foi tão fácil ignorar seus olhos como pensei que seria enquanto lhe dava as costas enfim a caminho da porta de casa. Relutante, fechei-a atrás de mim sem olhar, esperando sentir a sensação de reconforto por estar em meu refúgio, longe de todo o drama que recaiu sobre minha cabeça de repente. Pelo contrário, a angústia apenas se intensificou.

Willian estava no sofá lendo uma revista de carros e me olhou com a mesma expressão de espanto — um pouco mais acentuada — que os dois seguranças da porta, destacando-se pela ruga repreensiva em sua testa.

— Não estava dormindo?!

Não era surpresa pensarem que eu estava hibernando até uma hora da tarde, eu geralmente fazia isso. Mas como poderia explicar que fugi no meio da noite para socorrer Hanna em uma balada, e no fim eu havia sido atraída por um dos colegas de trabalho do Justin que queria me eliminar da questão — fazendo com que eu descobrisse sua traição e fosse perseguida por assassinos — achando que minha presença amolecia um dos melhores assassinos da companhia?

Não era uma coisa fácil de entender, que dirá esclarecer.

— Desculpa — pedi, sem outra ideia do que falar, já sabendo que não seria suficiente.

De qualquer forma, arrisquei tentar me dirigir ao meu quarto, desejando minha cama como nunca. Para minha surpresa, Will não veio atrás de mim, e não me dei ao luxo de sentir alivio por isso, do jeito que as coisas caminhavam a vida provavelmente me reservava algo pior. Procurei a chave no bolso do shorts sem esperanças de encontrá-la, mas como um consolo, ali estava, fiel depois de tantas aventuras. Destranquei a porta e respirei fundo ao entrar, me fechando ali como um sinal expresso de que não queria ser perturbada.

Joguei-me na cama de uma vez, sentindo minha coleção recente de ursos de pelúcia machucar minhas costas já doloridas do tombo da noite anterior. Empurrei todos de baixo de mim, jogando no chão, eu precisava de espaço para minha cabeça cheia. Encarei o teto, organizando as coisas em mim, proibindo terminantemente qualquer ameaça de choro, embora eu me sentisse exposta, vulnerável, quebradiça e ingênua.

Era tolice ficar me martirizando por não perceber nada antes, eu sabia disso, mas era inevitável. E burrice maior era não conseguir aceitar que ele fazia parte desse mundo, Justin não se adaptava em minha mente com a qualificadora assassino, por isso me doía mais que tivesse se sujeitado as safadezas daquela mulher. Ele dizia que não havia sentido nada, só que eu não era idiota o suficiente para subestimar seus hormônios. Hormônios masculinos os deixa manipuláveis. Sua explicação só servia para que eu entendesse a ausência de culpa por aquela cena depravada desde o momento em que eu o flagrara. Se nem respeito a vida alheia havia em seu mundo, muito menos havia por sentimentos. Tudo isso me levava a lógica inquestionável de que eu não queria fazer parte daquilo. Sendo tão repulsivo assim, não deveria doer tanto me imaginar longe.

Coração idiota era uma cilada, você deveria estar aliviado por se dar conta antes que ficasse mais serio.

Não era apenas questão da minha saúde psíquica em jogo, já que seus consanguíneos e agregados pareciam dispostos a me ferir para que eu me afastasse. Justin poderia continuar seguindo sua sina para ser o monstro cruel que orgulhava de ser e todos ganhariam com isso. Menos sua alma eternamente manchada de ódio. Só que isso não era da minha conta.

Os toques contidos na porta interromperam minha linha construída com muito esforço de raciocínio. Pensei seriamente em não responder.

— Faith? Posso entrar? — a voz de Flê fluiu pela brecha da porta.

Por um infortúnio, nem a ela eu estava disposta a ver.

— Sei que não está dormindo, querida. Estou entrando.

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