Disfuncional

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Para a minha surpresa, ficar sentada sozinha em um corredor desconhecido portando apenas pensamentos inquietantes não era uma atividade muito fácil. Detive-me o máximo de tempo que pude descartando a ideia de explorar a casa por ser falta de educação e, embora eu negasse, medonho, devido ao histórico de seu proprietário — nunca se sabe o que se pode encontrar na casa de um assassino

Por isso, lá estava eu entrando de fininho no quarto, me certificando primeiro de que Justin dormia. Seu peito se levantava regularmente, o que me deixou aliviada, indicando outro motivo para eu estar ali, sanar minha preocupação. Me aproximei da cama, confirmando o fato de que sua mente estava bem longe, a expressão tão suave transmitia a sensação de que era inofensivo, os traços serenos me lembravam o motivo pelo qual me chamara atenção, e me senti atraída como se fosse a primeira vez. Só que nada era igual a primeira vez.

Experimentei apoiar uma mão e perna na cama, devagar para que não o acordasse. Visto que não se mexeu, levantei o restante do corpo e me sentei ao seu lado com cuidado, os olhos vidrados em seu rosto. Sem dúvida alguma ele era apaixonante, sua pele era um imã irresistível para minhas mãos, mesmo enfaixado seu corpo era a coisa mais estonteante que eu já vira na vida, Céus, tão chamativo. O cabelo quase escapava de seu penteado habitual, escorregando alguns fios em sua testa, e mesmo assim, ele permanecia divino.

Fiquei perplexa quando percebi meus dedos da mão esquerda tocando levemente sua fronte sem meu consentimento. Olhei diretamente para suas pálpebras, e tendo em vista que nem ao menos tremera, me permiti organizar seu cabelo, seguido por um acariciar em seu rosto. Ao menos dormindo ele era amável, impossível de afastar o olhar. Foi nesses segundos paralelos que tive a certeza, eu não queria me afastar dele, não podia, meu coração não parecia capaz de aguentar depois de tanto me agarrar a ele, chegávamos a emaranhar nossas almas, dois corpos de uma pessoa só. Por outro lado, eu não aprovava sua personalidade nova para mim, como poderia dar certo? Ele mesmo me dissera tantas vezes que aquilo era o que o definia, sua essência, seu fundamento, seu alicerce. E se isso significava a morte de inocentes e ambientes que com certeza me machucavam, como aceitar? Eu vagamente acreditava que a cena tão deprava de segunda feira não havia sido fruto de seu desejo inicial, mas deveria simplesmente aceita-lo assim? O alicerce se um prédio funciona como limite de construção, não pode ser destruído.

Repeti a decisão óbvia que eu deveria tomar, e isso me deixou sem fôlego, doendo mais do que a última vez em que fora cogitada. Justin não entrara nessa vida de livre e espontânea vontade, não deveria ter a chance de conhecer outro caminho? Seu alicerce era imutável, mas uma reforma no prédio não era impossível. O desafio de mudar seu estilo de vida de alguma forma naquele momento me soava menos complicado que abafar meus sentimentos. E depois de surgia a ideia, foi irreprimível. De certa maneira, apesar de tudo, sob meus dedos ele que parecia precisar da minha proteção desse mundo tão perverso e cruel. O quão injusto ele havia sido tratado, separado desde pequeno de sua mãe, enfrentado a morte de seu pai, de sua desconhecida madrasta, de um amigo, privado de conhecer os irmãos e induzido a uma profissão desumana.

Havia duas maneiras de interpretar o ser humano dormindo à minha frente, um monstro sem coração e uma vítima social. Naquele momento, de olhos fechados, me prevalecia a segunda opção. Seu ato de altruísmo naquele dia não podia ser descartado de minhas ponderações. Justin não era inteiramente ruim, não podia ser. Suspirei com frustração, meu coração só poderia ter escolhido um cara complicado para amar ou não seria eu.

Assim que me libertei da fissura de encará-lo, passei meus olhos por seu quarto, imaginando ele andando por ali, memorizando cada detalhe do cômodo e por fim chegando a uma pergunta inoportuna, quantas mulheres ele havia trazido ali? Eu me recordava da bajulação que me dissera ser necessária em seu trabalho e que em muitas das vezes isso envolvia algumas mulheres. Me lembrei da mulher de vestido vermelho naquela casa noturna da segunda vez em que nos encontramos, e me indaguei o que fizera a ela. Quase ri de incredulidade por já ter ficado com ciúmes desde aquele dia — coisa que não admiti na época. Talvez tenha sido um aviso prévio do que eu passaria com ele futuramente.

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