Calamidade Sentimental

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Aquela não era apenas uma ideia ruim, era uma péssima ideia, uma ideia terrível, pior, uma ideia oriunda da minha mente. E o mais apavorante, eu nem sabia se poderia denominar aquilo de ideia. Era o reflexo de um impulso prepotente mimoseado pelo florescer da noite. Por estes motivos crianças dormem cedo e o horário comercial é diurno, estou certa que também é a razão pela qual Cinderela só teve até meia noite no baile, se ultrapasse o horário provavelmente distribuiria desastres por suas mãos calejadas — quem sabe não estapearia a madrasta ali mesmo e rasgasse os vestidos das "irmãs" insolentes? A ausência da luz característica na madrugada provavelmente possui uma essência de demência que danifica o cérebro humano para que cometa todas as burradas existentes, e comicamente, enquanto estamos conscientes.

Eu tinha plena consciência daquela estupidez enquanto colocava meus pés dentro daquele lugar por livre e espontânea burrice. Podia ouvir a voz esbravejante de Hanna me xingar de todos os nomes possíveis, me mandando voltar para casa — onde ela dormia em um colchão ao lado da minha cama como um cão de guarda — e cumprir o protocolo de elaborar um plano no raiar do dia. Ela apenas não havia pensado em alguns detalhes importantes que me ocorriam enquanto ouvia seu ressono ilusoriamente despreocupado. Poderia não haver amanhã, já tínhamos sorte por poder desfrutar do final de sábado e todo o domingo aparentemente em paz. Eu sabia que o poderio da decisão sobre o tempo que eu respirava não era meu e nem o destino possuía mais essa façanha. No momento em que terceiros desejassem, estaria tudo acabado, e eu realmente odiava essa coisa de decidirem por mim. Em casa eu podia suportar rédeas curtas, mas porta a fora era bem diferente. Então por puro orgulho e anseio de livrar o fardo de todos os meus conhecidos que eu colocava em perigo, lá estava eu me espremendo pelos corpos dançantes para encontrar a morte de frente — possibilidade esta que neguei veementemente quando me foi sugerida por Hanna.

Eu não tinha certeza de que ele estava ali, apenas possuía uma forte intuição. Como deixara subentendido, aquele parecia ser o ponto de encontro de sua Companhia idiota, uma cova de leões prontos para me atacar. Em minha mente um confronto público me salvaria, só havia deixado passar o detalhe de como todos ali se afastaram quando Bieber espancou Guilherme. Aquele pensamento tardio me paralisou naquela sensação perturbadora de ter tomado uma decisão errada sem volta. Engoli em seco e respirei fundo. Eu já estava ali, agora iria até o fim.

Conferi mais uma vez o porte de um spray de pimenta dentro da minha jaqueta jeans e o celular de Hanna no bolso da minha calça preta para o caso de precisar fazer uma chamada de emergência. O kit básico para um encontro com um assassino — eu esperava não ser inútil.

Meus olhos varreram a área VIP que ele estivera da última vez e o bar, mas não encontrei nada, graças a Deus, nem mesmo Guilherme. Não lamentei tanto a possibilidade de ter sido uma perda de tempo enganar meus seguranças — afirmando que havia um carro na esquina me esperando para me levar aos meus pais que estavam convenientemente em Nova York para "resolver questões de última hora", bem quando eu mais precisava de respostas. Caleb não compreendera meu ataque de frustração ao saber que eles não voltariam para casa. Se tivessem voltado, possivelmente eu não estaria cometendo esse erro terrível.

Como havia funcionado da última vez, eu planejava ir ao bar pedir informações, mas assim que me virei notei um detalhe importante que não notara no espaço antes, um segundo andar. Uma única escada, bloqueada por dois seguranças, no extremo esquerdo, conduzia àquela solitária e cumprida zona que separava divindades dos meros mortais, como espectadores das condutas devassas do primeiro andar. Um dos seres celestiais se apoiava no corrimão majestoso ininterrupto, projetando seu corpo para frente com ombros curvados como se pesasse sobre eles a responsabilidade de administrar aquele lugar. O rosto trazia traços profundos entalhados na seriedade que incidia os lábios em um bico concentrado e as sobrancelhas unidas. Sua postura exalava poder, como se ninguém ali pudesse medir forças com ele, informando que chamar a atenção de seus olhos vigilantes era extremamente ruim — ou bom, no caso de estar à procura de uma acompanhante. As mangas da camisa arregaçadas provavam que ele estava pronto para o trabalho, não se tratava de uma mera escultura para embelezar a decoração, embora pudesse muito bem se passar por uma. E apesar de ser insano, não senti medo quando suas pupilas dilatadas se estagnaram claramente em mim.

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