Inverno Particular

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O tempo não se altera, corre numa velocidade constante para frente, nunca para trás. Segundos se transformam em minutos, minutos em horas, horas em dias, dias em meses e meses em anos. Foi sempre assim, e não acredito que possa ser diferente. Então cada momento é importante. Cada uma de nossas pequenas decisões alteram nosso rumo, escolhas que não podem ser refeitas. E é aí que se instala o arrependimento.

Eu me arrependia de todas as decisões tomadas naquele dia.

Mesmo com os olhos abertos podia viver tudo outra vez. Via Ryan me arrastando para a casa de uma das vizinhas disposta a nos acolher enquanto o inferno acontecia lá fora juntamente da polícia, bombeiros e George. Ele resistiu a todos os meus argumentos e tentativas físicas de sair por aquela porta. Eu sabia que Justin estava em algum lugar nos destroços e que necessitava de ajuda, gritava em bom tom que eu precisava fazer alguma coisa. Ryan insistia no contrário. Apenas quando toda a cavalaria foi embora consegui retornar a - não mais em pé - mansão. Andei sobre o amontoado de materiais empretejados, buscando qualquer coisa que acalmasse a adrenalina em meu sangue, espantando o vazio que ameaçava tomar conta de mim, ignorando a insistência de Ryan em dizer que não havia nada lá, que estávamos nos arriscando. Mas só naquele momento ele queria pensar em riscos? A revolta me fez despejar todos os tipos de palavras ofensivas que conhecia e inventar novas.

Foi preciso um bom tempo e a ajuda de Caitlin para me convencerem a ir embora. Ela nos deu carona até minha casa, num silêncio absoluto que aos poucos também me engoliu.

"Ele disse que podia fazer isso, Faith. E nada, nunca, foi capaz de impedi-lo antes" Gravei as palavras de Ryan quando me deixou em minhas mãos e as apertava contra meu peito na esperança de que Justin aparecesse de uma vez. Eu sabia que já havia comentado com ele o quanto odiava esperar. Não era justo que demorasse tanto a dar as caras. Eu o perdoaria por não ter nos procurado durante aqueles três infinitos dias logo após ter escapado do fogo, nem precisava de uma explicação lógica, bastava que fizesse cessar a paranoia que rodava meu cérebro. Cheguei a pensar que George o pegara, mesmo tendo visto com meus próprios olhos que saíra de lá portando apenas algumas rugas a mais.

— Faith? O que acha de fecharmos a sacada? — a voz de Fleur preencheu repentinamente o ambiente, suas mãos se esfregaram em meus braços desnudos, um indício de que o frio me engolira de vez.

Me limitei a fazer um sinal negativo com a cabeça. Eu estava me adaptando aos sentimentos novos que transitavam com propriedade pelo meu corpo, então minha composição exigia muito de mim.

— Tudo bem. E se pelo menos nos distanciarmos um pouquinho dela?

Não me mexi e ela captou a deixa, emitindo um suspiro quase imperceptível de frustração — meus sentidos andavam extremamente aguçados para identificar a chegada de Justin. Seu cuidado seguinte foi de me cobrir com uma blusa de frio.

Segundos depois que deixara o quarto, Hanna entrou. Elas não sabiam disfarçar o complô.

— Precisa de alguma ajuda com o que vai vestir?

Respirei fundo, expressando minha impaciência por ter que verbalizar a constatação óbvia.

— Eu não vou, Hanna.

Seu silêncio não era de surpresa, eu podia ouvir seu cérebro trabalhando em alguma ideia mirabolante. Seus passos apressados a levaram até meu closet. Desacreditei que o faria até que se plantasse na minha frente, a mão direita portava um vestido de renda preta até os joelhos de mangas longas e a outro uma calça e blusa social da mesma cor. O sobretudo negro de camurça estava em seu ombro.

— Pensei nestes dois. Qualquer um deles com o sobretudo. O calçado seria uma bota de cano curto.

Senti um tendão emocional se rompendo. Direcionei um olhar violento a ela.

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