Desenfreados

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— Vai me contar ou não o que aconteceu? — falei de uma vez, inquieta com o silêncio que ele deixara desde que saímos da terapia pediatra.

Justin mantinha os olhos no chão, perdido em pensamentos.

— Se eu te contar, correrá perigo — brincou, me olhando com os olhos semicerrados.

Ou talvez não fosse brincadeira. Eu não duvidava de mais nada.

— Estou disposta a correr o risco. Sei me cuidar.

Ele arqueou a sobrancelha, dando risada.

— Claro que sabe — ironizou, desviando o rosto.

Fiz uma careta por me subestimar, ferindo meu orgulho.

— Pra sua informação já fiz aulas de kung fu.

Ele deu um sorrisinho, achando graça.

— Quantas aulas?

Não era bem por esse lado que eu queria ir.

— Três — confessei. Foi péssimo porque ele riu de mim de novo, mas secretamente bom porque seu sorriso era maravilhoso — Ei, minha mãe que não permitiu. Ela queria que eu fosse uma princesinha delicada — completei com desdém.

— Funcionou — me provocou.

Dei-lhe um tapa estalado no braço e ele se encolheu por não prever o movimento.

— Diga isso quando vir a marca na frente do espelho. Agora pare de me distrair e me conte quem eram os MIB e o que queriam.

Ele quase gargalhou — me deixando meio desnorteada de encanto.

— MIB homens de preto? Você é meio absurda às vezes.

— E você é ótimo em fugir de assuntos — acusei — Me diz de uma vez!

Ele me julgou com os olhos, mas viu que eu estava decidida, então deu um suspiro e disse:

— Trabalhamos juntos. Vieram tratar sobre uma conciliação que está demorando mais do que o esperado.

Notei as ruguinhas em sua testa, embora ele demonstrasse confiança na frente de seus colegas de trabalho, o atraso também o incomodava.

— E te culpam? É porquê está passando muito tempo comigo? — perguntei receosa.

Era horrível pensar que eu o colocava em encrenca, mas pior ainda seria diminuir a frequência com que nos víamos — que para mim já não era o suficiente. Eu era uma egoísta descarada.

Ele ponderou, demonstrando que essa pergunta não era tão simples como parecia.

— Nem sei se deveríamos ter aceitado esse serviço para início de conversa.

Minhas conclusões eram perturbadoras.

— É perigoso? — indaguei baixo.

Ele abriu um sorriso destemido, dando de ombros.

— Todo trabalho é, a questão é seu nível de aptidão para sair ileso. O que nos leva de volta à você; o que está achando? Ainda quer viver disso? No meio de todo esse cheiro de doença e morte? — ele fez uma careta, abanando a mão na frente do nariz como se pudesse aliviar o odor.

— Acho que é como aquela reflexão do copo meio cheio e meio vazio. Você claramente está enxergando o vazio — discordei.

— Pode ser que sim. Ainda quer continuar a visita ou já viu o suficiente?

Pela sua expressão eu podia especular que seu nariz não aguentaria mais tempo em um hospital. De qualquer forma, sem Harris para explicar as coisas, não seria uma visita tão produtiva.

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