O aquecedor estava em pleno funcionamento, Faith atirava seu casaco na cama, mas eu tinha a impressão de que seu corpo era uma pedra de gelo, distante, inalcançável.
Ela colocava as joias nas respectivas caixas em cima da mesa quando seus olhos pararam outra vez no papel pardo.
— Pode abrir, se quiser — ofereci, tirando o sapato e a meia, me concentrando mais do que o necessário na tarefa.
— Hm, o que é? — perguntou ela desconfiada.
Dei de ombros, aparentando indiferença. Depois do que havia sido dito, não poderia me enganar pensando que se interessasse com o rumo que meu sobrenome teria.
— São alguns documentos que Ryan conseguiu pra mim, sobre minha família.
Inusitadamente, o interesse transpareceu em seu rosto.
— Você já olhou? Diz sobre sua mãe e seus irmãos?
— Não olhei ainda. Estou esperando que sim.
Ela cruzou os braços, mordiscando o canto da boca com nervosismo.
— E não está curioso para investigar?
Sondei sua reação, confuso com a oscilação de humor. Embora fosse improvável, ela estava de fato envolvida.
— Acho que sim — caminhei até o pacote na mesa e o segurei nas mãos — Quer olhar comigo? Quer dizer, eu vou precisar de ajuda.
Entortando o nariz, ela parecia estar lutando consigo mesma para recusar.
— Tem certeza?
Me sentei na cama destinada a mim por nosso acordo não verbal, batendo no espaço ao lado para que se sentasse ali como forma de reafirmação. A passos incertos, ela preferiu se empoleirar no seu próprio colchão, inconscientemente inclinando-se na minha direção.
Os minutos prazerosos de Ryan não foram suficientes para que estufasse o pacote de documentos, e não me dei ao luxo de pensar encontrar alguma informação valiosa ali.
Por mera praticidade, se Faith não se sentaria ao meu lado por vontade própria, decidi que assim eu o faria. Quase como um reflexo, ela se afastou um pouco assim que meu peso afundou mais um pouco seu colchão, mas não reclamou, atenta ao movimento que eu fazia para abrir o pacote. Retirei todo o conteúdo e o dividi em dois, estendendo uma parte para Faith.
— Assim vamos mais rápido — expliquei.
Suas mãos seguraram a pilha sem confiança e eu soube que estava repensando sobre me ajudar. Ignorei sua hesitação, avaliando minha parte. A primeira folha era uma ficha minuciosa de Jeremy, como a que todos os membros da Companhia deviam ter. Passei os olhos no documento, me detendo no tópico "Histórico Estado Civil". Três casamentos era o que constava. O riso de escárnio ficou preso em minha garganta.
— Ah! — a exclamação de Faith roubou minha atenção — Esses são sobre você.
Olhei por sobre seu ombro, encontrando uma foto amarelada presa com um clip a uma ficha igual a que eu segurava. O bebê na foto tinha cabelos loiros lisos moldando o rosto rechonchudo.
— O que quer dizer "Classe A"? — perguntou.
— Uma identificação para os membros legítimos da família.
Ela estudou o papel com mais afinco, franzindo a testa de ceticismo ao final da leitura.
— Acessos de raiva frequentes, explosivo, ansioso, sentimental — recitou — Potencialmente nocivo.
Tamborilei os dedos no queixo, fazendo meu juízo de valor quanto aos adjetivos atribuídos. Faith esperou pacientemente o veredicto.
— Sim. Esse sou eu. Tudo o que não podem controlar é uma ameaça. Então provavelmente sou nocivo.

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One Life
FanfictionAparentemente, não havia nada de extraordinário na história dos dois. Eram duas pessoas normais, favorecidas pelo capitalismo, e embora não parecesse, ambos tinham muito em comum. O fato de terem o que quisessem era um deles, mas também aquele senti...