XXI

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     Não era para ela estar acordada àquela hora. Não era para ela ter ouvido. Ela nunca havia se levantado às 3 horas da manhã, ele sabia disso, ele se sente à vontade por isso. Ela chegou cansada. Se deitou para relaxar um pouco, o trabalho a deixou esgotada, afinal, não foi um dia fácil. Quando acordou, resolveu tomar um banho.
     Ela não podia, ela não deveria. Sair da rotina nunca é adequado, nunca é bom. E então, ela ouviu.
Ao sair do banho, ela ouviu. Ignorou e se vestiu. Mas na hora em que foi dormir o barulho a incomodou de tal forma, que se levantou.
     Bates abafados. Vozes abafadas. Ela cogitou que talvez fosse uma festa. Mas não era, nunca foi. Durante os dois últimos anos coisas estranhas aconteceram em baixo daquele teto, no apartamento ao lado. Aliás, aquele lugar não tinha precedentes favoráveis. Um prédio de exatos cinco andares, cada andar com dois apartamentos. E ela, estava no terceiro andar, ao lado de um vizinho aparentemente tranquilo. Ou melhor, estranhamente tranquilo.
     E então, ela se levantou, nem sequer acendeu as luzes. Ela só queria dormir em paz. Destrancou a porta, a chave já estava na mesma. Ela andou pelo corredor cambaleando de sono e bateu na porta. Ninguém abriu. Bateu uma segunda vez, e o 'clic' da porta a fez despertar de súbito. " Mas o cara morreu!", pensou ela se dando conta do que acontecia.

---Oi? Tem alguém aí? --o que ela estava fazendo?

---Socorro... --uma voz soou agoniada.

     Ela resolveu entrar. Por que fez isso? A curiosidade superou o bom senso, e mesmo com medo, ela entrou. E se deparou com a cena mais apavorante da sua vida.

---O que você está fazendo aqui?! Vai ser arrepender pela intromissão!

     Um grito foi ouvido. O mundo ficou escuro. Ele sempre quis Labella, agora e por acidente, conseguiu. Suas ideias ardiam em fogo, ele estava bem atrás dela. Ela estava paralisada, a porta foi fechada tornando tudo o mais completo breu, sentiu uma respiração em seu pescoço, cheirando-a. Arrepiou-se. Seu coração antes acelerado, transbordava agora de desespero.

---Seu cheiro... --ele sussurrou --Acabou de tomar banho, não foi?

     A voz dele adquiriu um tom calmo perturbador, destoando do usado para ameaçá-la.

---Desculpe, amor não vi que era você. --ele continua sussurrando --Por que você veio?

     Labella se virou, sabia que não devia o fazer, mas se virou. Uma calma se apossou de sua mente transmitindo-a ao corpo todo. Ela tentou focar o olhar, mas tudo estava na mais completa escuridão.

---Barulhos me incomodaram, não conseguia dormir. --respondeu tranquila ---Vim pedir que parassem com barulho, mas quando entrei vi que era tudo muito pior do que eu
imaginava. Quem era o homem para quem você estava apontando a arma?

---Era aquele seu amigo. --ele respondeu no mesmo tom --Eu ia matá-lo. --Labella apenas arregalou os olhos e esperou por mais --Mas deve qualquer forma, ele já é morto.

---Como assim?

---Câncer, amor. Ele está em estágio terminal.

---Por favor, acenda luz, preciso ajudá-lo. --uma lágrima, a primeira.

     O desconhecido rosnou. Um instante de silêncio.

---Não.

---Eu preciso ajudar, ele é a única pessoa que me acolheu quando cheguei aqui! Por favor!

     Ele deu um passo à frente. Labella sentiu as pontas dos seus dedos dos pés descalços serem tocados pelos pés do desconhecido.

---Façamos um trato. --Labella sentiu seu hálito com álcool. --Eu deixo você ver seu amigo e em troca você dorme comigo. Só dormir. Nada mais. Prometo que não te tocarei sem permissão.

---E se eu não aceitar?

---Eu não movo uma palha e faço você assistir de camarote à  morte do seu amigo.

     Labella engoliu em seco, aquele homem disse que queria matar Fred, talvez essa seja a única chance de salvá-lo. Talvez não fosse Fred, mas se não fosse, estava determinada a salvar quem quer que fosse. Talvez a curiosidade ocupasse lugar de metade dos motivos.

---Trato feito. --Labella arqueou a sobrancelha, sabia que era uma decisão estúpida, mas seguiria e correria o risco. Aquele homem  provavelmente é o assassino do homem que ela encontrou morto.

     Deveria ter pensado bem, parado a tempo, ainda tinha tempo. Poderia ter insistido e tomado uma decisão inteligente, mas optou por seguir o caminho mais fácil. Resultou mais uma vez em silêncio. Tempo longo. Uma risada nasal.

---Não tem como você voltar atrás. Cumpra sua promessa. 

     Passos recuaram, as luzes acenderam Labella observou o homem que estava de costas para ela, ao lado do interruptor. Tudo que viu foi um par de coturnos negros e um sobretudo com capuz na mesma cor.

---Típico, óbvio. --ela sussurrou.

---Bella? --a voz fraca a despertou.

     Ela se virou observando a morte lenta da única pessoa que amava. Seu rosto estava coberto de sangue, tinha um corte na testa, mas a maior parte vinha de seu nariz e boca.

---Fred... --ela se ajoelhou perto dele e em um impulso o abraçou afagando seus cabelos --Por favor, diz que é mentira, diz que ele está mentindo.

---Bom, meu bem, --ele sorriu --gostaria de dizer. Infelizmente, infelizmente eu não posso. --ambos já estavam em lágrimas --Tudo que eu posso te dizer é que te amo.

     Labella abraçou-o mais forte.

---Foi ele foi ele que fez isso com você? --perguntou observando o sangue e o desconhecido que ainda se encontrava de costas --Se for, eu acabo com ele.

---Não, só o da testa, o resto foi o foi o câncer. --a dor estava explícita em sua voz --Eu já passei do tempo previsto, minha morte era prevista para dois anos atrás. E adivinha? Deus me trouxe um anjo para manter-me vivo. Obrigada, te amo. Por favor, me leva para o hospital, não quero morrer aqui. --as lágrimas já eram espessas --Você sempre me tirou da escuridão, te imploro que faça de novo só mais essa vez.

---Okay. --ela fungou sustentou seu amigo nos ombros,  levantando-o. Logo se lembrou das escadas, parando um momento para pensar.

---Precisa da minha ajuda? --o homem se virou, o capuz não permitia ter a visão de sua face.

---Por favor.

---Vai te fazer feliz? --sussurrou.

---Não, vai ser o pior e o mais necessário dia da minha vida até hoje.

---Levo vocês. --o tom duro novamente na voz.

     Fred já não tinha forças para dizer uma palavra, por milagre conseguia se sustentar em Labella. O homem pegou-o sem o menor cuidado, jogou em seu ombro, desbravando a passos rápidos do escuro, seguido de perto por Labella. Pegaram o carro de Fred, o homem dirigiu. Labella nunca havia passado tantos sinais vermelhos na vida, nem experimentado tal velocidade.

****Sem revisão. Comentem, por favor.

Mordidas 😏

Psicopata: DesesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora