XXII

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     Aquelas luzes vermelhas e azuis piscavam em harmonia com a dor que aquela mulher sentia. Seu braço ensanguentado de forma exagerada denunciava que sua consciência naquele momento era miraculosa. Fred respirava fraco. Desci do carro e pedi ajuda a um dos paramédicos da ambulância. Fred foi colocado na maca, eu ia segui-lo, porém, por impulso, me virei e fitei aquele ser ao volante. Sua cabeça inclinada para frente lhe dava o esconderijo necessário. Me aproximei ao máximo do vidro fumê semi-aberto. O de trás estava da mesma forma, o suficiente para caber a minha mão.

---Nem pense nisso. Não sou estúpido. --sua voz me impediu.

---Talvez seja. -- Minha voz saiu normal, como nos velhos tempos, sem medo. O medo simplesmente não importa.

     Novamente ouvi sua voz.  Num sussurro choroso de um "Cumpra, apenas" seguido do rugido do motor do carro, um barulho seco. Me virei a tempo de conseguir acompanhar a maca até onde dava, me separando do meu amigo na entrada da área restrita.

     Fred. Meu Fred. Deus, por favor, ajuda ele. Que seja feita Tua vontade, Pai. E novamente lágrimas correram pelo meu rosto. O silêncio naquele corredor era incômodo. Os dez minutos seguintes foram torturantes. O instante seguinte, estranho. Eu estava perdida de olhar e pensamento num canto da sala de espera.

---Ariana.

     Apenas a sombra da voz. De repente um estalo em minha mente.

---Ariana?

     Olhei para a pessoa em minha frente. Legal, não tinha como isso acontecer depois?

---Arian. O que faz por aqui?

     Ele suspirou e se sentou ao meu lado.

---Meu irmão.

     Coincidência?

---Fred? Ele se chama Fred?

---Sim. Como sabe?

---Passei os dois últimos anos da minha vida com ele. Era meu amigo e meu patrão.

     Ele pareceu pensar um pouco.

---Labella?

---Labella. --suspirei.

---Por que mentiu?

---Eu estava perdida e conversando com um desconhecido. --levantei os ombros-- Já conseguiu notícias do Fred?

---Não.

     Ele respirou fundo.

---Você sabe de tudo? Meu irmão te contou?

---Sim. Ele é a única pessoa que eu tenho, sabia? E eu odeio o fato de ninguém ter me contado sobre a doença dele antes. Eu o amo. --as lágrimas voltaram, Arian me abraçou de lado.

---Eu também. --sua voz angustiada só aumentou a minha própria angústia.

{...}

---Odeio esse tempo de espera. --Labella murmurou depois de vinte minutos e cinco xícaras de café.

---Você odeia demais. --Arian soltou --Não deveria ser assim.


   Apenas suspirou. Fred é tudo que ela precisa saber agora. Chega o médico, mas sua expressão impassível não deixa a menor brecha para que se consiga desvendar o que passa em sua mente.

---Não há o que fazer. Podem entrar para vê-lo. --o médico disse.

     Deram um passo à frente, mas o médico os interrompeu.

---Será uma despedida. Calculo que ele não passe das próximas três horas.

     Um metal frio se espalhou pelo peito de Labella. Se sentiu vazia como nunca. Mas agora, agora é por algo que realmente importa. Quando deu por si, ela já estava na porta do quarto, observando Fred.
     Se sentou ao pé da cama, segurou a mão de Fred e se deitou, deixando seu rosto na altura da mesma. Arian se sentou numa cadeira ao lado da cama e num impulso, abraçou seu irmão e sussurrou coisas que provavelmente só ele mesmo escutaria.
     Ali ficaram, esperançosos. Lutando contra o que sabiam que a qualquer momento poderia acontecer. O tempo passou e já era três e meia da madrugada, com os pensamentos a mil, Labella sentiu a mão que segurava corresponder ao seu toque. Levantou-se e viu que Fred a olhava com um sorriso fraco. Ajeitou-se ao seu lado, segurando sua mão em cima da barriga dela e com o rosto na mesma altura que o dele.

---Oi... --sua voz saiu fraca.

---Oi... --respondeu em um sussurro.

---Te amo, Bella.

---Te amo, Fred. --Labella encostou sua bochecha na dele.

     Fred riu, de forma debilitada, mas alta o suficiente para acordar Arian, que sorriu ao ver a cena.

---Lindo o momento. --disse chamando  a atenção de ambos.

---Não se preocupe Arian, amo você também. --os irmãos fizeram uma careta engraçada e brilhante pelas lágrimas que brotavam de seus olhos.

---Amo você, irmão. --a voz de Arian trouxe uma firmeza que tornou impossível que qualquer pessoa duvidasse de suas palavras.

     Um curto período de silêncio.

---Me abracem, os dois juntos. --Fred pediu.

     Atenderam ao pedido. Nesse abraço, Fred conversou com Deus. E sentiu o beijo depositado em sua bochecha por Labella, seu último sentimento. Naquele abraço, ecoou pelo quarto o agora contínuo beep, que trazia consigo as lágrimas de dois solitários que perderam a única pessoa que tinham no mundo. Se negaram a soltá-lo. O médico checou o aparelho e desligou-o, saindo do quarto.
    

Psicopata: DesesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora