XLIII

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     Os saltos estalando contra o piso do corredor denunciavam a chegada da Dra. Mey à sala do Sr. Brandão, o diretor do HPGS. Depois de bater na porta, adentrou a sala.

--- Solicitou minha presença? -- questionou ela.

--- Sim, sente-se. -- apontou a cadeira -- Pois bem. -- encheu seu copo com o que pelo cheiro parecia licor de coco -- Creio que já tenha conhecido a minha esposa, a enfermeira chefe Iara.

     Mey cruzou os braços analisando o modo estranho com que ele olhava para o licor e gesticulava.

--- Sim, conheci-a. Ela questionou meus métodos na primeira oportunidade que teve. -- respondeu ácida.

     Sr. Brandão pigarreou.

--- Creio que você tenha conhecimento da peculiaridade dos seus métodos, mas nós aqui optamos pelo tradicional e nada além disso.

     A Dra já estava intrigada e gargalhou.

--- Infelizmente eu lamento informar o que você provavelmente já sabe: não foram vocês quem me contrataram, eu trabalho para o estado e eles aprovam e incentivam o meu modo de trabalhar.

--- Então, Dra, creio ter que mover meus pausinhos para te tirar daqui. -- tomou mais um gole do seu licor.

--- Sinta-se à vontade para mover uma floresta inteira se quiser. Boa noite.

     Mey se levantou e saiu da sala, não era nenhuma novidade que algo estava muito errado ali, inclusive foram as investigações do Serviço de Inteligência Nacional que descobriram isso, solicitando que a Dra Mey, considerada a melhor e mais imparcial da área da psiquiatria se infiltrasse para descobrir qualquer erro, dando-a carta branca para usar os métodos que jogasse necessários. Logo, qualquer reclamação do Sr Brandão seria ignorada com sucesso.

     Já se aproximava das 22:00, então ela se dirigiu até a cabana em que ela ficaria, se localizava um pouco afastada do prédio principal junto das dos demais funcionários, sendo necessário andar por volta de cinco minutos para chegar. Logo quando chegou no HPGS e lhe levaram até sua cabana, percebeu que era a mais caótica do lugar, mesmo havendo outra em melhor estado desocupada. Mas isso não faria diferença, conferiu a segurança e a parte elétrica e hidráulica da casa e estavam aceitáveis. Resolveu, como de praxe, instalar câmeras pela casa. Primeiro, foi até seu quarto, fechou a porta, as janelas e as cortinas, apagou a luz e guiada pela sua memória, deu alguns passos até chegar na sua cama onde estava a mala e abri-la, tirando de lá um detector de metais que identificava especialmente câmeras. Tudo o que tinha que fazer era ligá-lo e qualquer câmera que estivesse no pequeno cômodo seria encontrada. Para a sua alegria não havia nenhuma, assim como no banheiro. Porém, em todos os outros cômodos haviam câmeras e muito provavelmente escutas. Com as luzes acesas, mapeou os melhores lugares para instalar suas próprias câmeras de forma discreta e assim o fez. E com sua decoração, também instalou olhos por toda a cabana.

***

     Depois de novamente analisar as fichas dos seus pacientes, Mey foi se deitar e dormiu entre pensamentos e suposições. No dia seguinte, após refletir, resolveu adiar a entrega dos escritos de seus pacientes para o próximo dia, e reservou o tempo que usaria para ter uma conversa individual com cada paciente. Se vestiu com um vestido longo de cores alegres e flores, que segundo seus anos de experiência influenciam diretamente no humor e na perspectiva e foi encontrar seus pacientes. Na sala de terapias alternativas, pediu que os seguranças ficassem do lado de fora, olhou sua lista e resolveu usar a ordem que havia nela e solicitou que trouxesse Anabel.

--- Bom dia! -- cumprimentou logo que a garota se sentou na cadeira à sua frente.

--- Nem tão bom assim. -- ela respondeu com tédio.

--- Por qual motivo?

--- Não se consegue ter um bom dia quando não se dorme à noite.

--- Concordo. -- anotou na nova ficha que estava fazendo "insonia" -- Tem insônia desde que foi internada aqui ou já tinha antes?

--- Não me lembro de nenhuma parte da minha vida que eu tenha dormido normalmente.

     Mey apertou os dedos fazendo-os estralar.

--- O que mais acontece com você, Anabel? Em outras palavras, o que fez com que te internassem aqui?

     Ela suspirou.

--- Eu não sei ao certo. -- sua voz estava cansada -- Eu havia ficado duas semanas sem dormir e isso só piorou meu estresse e a ansiedade. E então eu surtei e depois não me lembro mais, só acordei aqui amarrada com uma camisa de força. Me disseram que eu tenho esquizofrenia e sociopatia.

--- E o que você acha desse diagnóstico?

--- Que muito provavelmente quem tem esquizofrenia é o médico que me diagnosticou. Mas não importa, estou cansada de tentar convencer as pessoas disso. Eu simplesmente não sei porque estou aqui.

--- Bom, e se eu disser que acredito em você?

--- Nesse caso, tome cuidado, Doutora. Eles podem querer te internar também.

     Mey resolveu se arriscar.

--- Eu posso te ajudar, mas preciso que não conte a ninguém sobre isso e me diga nas seções caso ouça algo que julgar ser estranho.

--- Certo.

--- Agora, de acordo com sua lista de remédios, peço que pare de tomá-los. Dê um jeito de cuspi-los ou algo do tipo e tome um comprimido desse remédio aqui, -- tirou da bolsa um comprimido e entregou a ela -- vai te ajudar na insônia e vou solicitar que você fique em repouso até amanhã com suspensão da medicação nesse período. Veremos os resultados.

     Anabel tomou o remédio, mas ela não confiava de verdade na Dra Mey, só tomou o remédio pelo simples fato de querer dormir.

Psicopata: DesesperoOnde histórias criam vida. Descubra agora