VI - Relembrando o passado

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Diana abriu a porta de casa e instintivamente tentou acender a luz. Bem, como eu disse, minha queda causou a falta total de energia em São Francisco.
Ela xingou baixinho e começou a tatear alguma coisa dentro da cômoda ao lado da porta. Depois de alguns segundos Diana tirou um objeto cilíndrico da gaveta com um botão na parte de cima. Ela apertou o botão e o objeto acendeu uma luz.

— Tudo bem, vou pegar as coisas para preparar a cama para você dormir. Pode ficar à vontade, já volto.

E ela saiu casa a dentro me deixando sozinho. Aproveitei esse momento para tentar me comunicar com um dos anjos. O ataque já tinha acontecido a algumas horas e mesmo que tivessemos perdido muitos anjos, tinha certeza que haviamos ganhado. Eu sabia que se tentasse transportar minha consciência para o Céu novamente em um curto período de tempo entre um transporte e outro, eu poderia desmaiar ou até no pior dos casos morrer. Mas eu precisava tentar. Precisava de respostas.
Fechei os olhos e me concentrei. Tentei me conectar com o Céu ou com um dos meus irmãos e estava quase desistindo quando a tontura voltou e as pontadas na cabeça junto. Por instinto, levei as mãos a cabeça e abri os olhos. O tom amarelo escuro brilhante havia voltado e eu estava em casa.
O Céu parecia estar se recuperando rapidamente do ataque. Os anjos feridos estavam sendo levados para uma espécie de hospital e os mortos estavam sendo postos um ao lado do outro para o crematório. Olhando todos aqueles corpos não pude deixar de pensar em Muriel. Minha Tenente estava entre os mortos e não tive tempo nem de sentir sua perda.
O luto que eu sentia por Muriel, enfraqueceu minha conexão com o Céu. Eu precisava estar total e inteiramente focado em um único objetivo ou pessoa, caso contrario a conexão começava a falhar. Era exatamente isso que estava acontecendo comigo naquele momento. A imagem que eu via em tempo real entrava e saía de foco.

— Vamos Lucas, concentre-se! – Chamei minha própia atenção.

Me forcei a parar de pensar em Muriel e me concentrar em um único
objetivo: conseguir me comunicar com um dos Arcanjos.

— Vamos, vamos... – falei.

A conexão com o Céu reestabeleceu e visão voltou a ficar nítida novamente.

— Você demorou mais tempo do que eu imaginei que demoraria para vir para cá, irmão.

Gabriel estava de costas para mim olhando do céu para os humanos lá em baixo, uma atividade que eu e ele costumávamos fazer com frequência.

— Corajoso da sua parte fazer um Transporte de Conciência mesmo sendo humano.

— Meio humano.– Corrigi. – Eu vi o ataque.

— Eu sei. Foi eu quem te convocou.

— O que? Por que?

— Porque você precisava saber da missão. – Ele olhou por cima do ombro para mim e logo em seguida voltou sua atenção aos humanos.

— Então é  verdade. Muriel tinha razão.

— Deixei que ela soubesse de propósito para cumprir a vontade de nosso pai.

— Se ele queria que eu protegesse a humana tanto assim, porque mandou Miguel me banir?

— Nosso pai...

— Seu pai. – Interrompi.

— Nosso pai – continuou Gabriel – usou a queda como punição por você quase ter matado um de nós e como desculpa para você ingressar em uma terrestre.

— Punição? Só pode ser brincadeira. – Ri incrédulo. – O que ele sabe sobre punição?

—  Você quase matou um Arcanjo. Um dos seus superiores e seu irmão por puro ódio.

— Eu deveria estar muito irritado para fazer isso.

— Então você não lembra?

— Não. Lembro que briguei com Uriel e teria ganhado, mas não lembro porque brigamos.

— A Batalha no Purgatório. Você se recorda?

A Batalha no Purgatório. Ouvir esse nome me fez ter flashbacks  de uma guerra. Mais de 3 mil anjos comandados por mim e a nossa vitória.

— Um pouco.

— Na Batalha do Purgatório, Uriel tentou fazer com que você fracasse, mas quem fracassou foi ele. Você venceu a batalha e agora o purgatório é território celestial, graças a você. Mas você soube que Uriel tentou sabotar sua vitória e foi tirar satisfações. Na verdade você chegou gritando ironicamente o quanto Uriel era “inteligente”  e quando ele se levantou, você tirou a espada das costas e os dois começaram a brigar. Uriel quase morreu e nosso pai mandou Miguel intervir. Então você caiu, ou como costuma dizer, foi derrubado em combate.

— E por que Uriel queria meu fracasso?

— Porque ele queria a missão que lhe foi dada. Proteger a humana.  Seu fracasso significaria a glória dele.

— Então eu tinha razão.

— Quase razão, meu caro caçula. Tentar matar Uriel não foi a atitude mais sensata a se tomar. Venha até aqui, Lucas.

Andei na direção de Gabriel e me postei ao lado dele. Abaixo de nós, pude ver São Francisco.

— Sinto muito por Muriel. Sei o que ela significava para você.

— Eu a vi crescer, melhorar, conseguir o posto de Tenente. Eu a treinei. Vi os sonhos de Muriel surgirem um a um e e evaporarem no momento em que ela se foi.

— Ela sempre adorou os humanos. Sempre os achou fascinantes.

— Eu não. Sempre os achei repulsivos e inúteis.

— Algumas coisa nunca mudam. Como é mesmo o nome da humana que está com você?

— Diana.

— Diana. É um belo nome, não acha?

— Para uma mortal, sim.

— Algo me diz que você gostou da moça. A personalidade dela te agrada, não agrada?

— Ela me irrita.

— É, você gostou dela. Mas falando nela, aquela não é Diana quase na sala em que te deixou?

A imagem da Golden Gate tremulou e mudou para Diana andando despreucupadamente pelo corredor que dava acesso a sala.

— Hora de voltar, General.

— Espere por que Deus quis que eu...

Gabriel estalou os dedos e eu voltei para Terra. Meu coração batia rápido demais. A adrenalina presente em meu corpo estava níveis acima do normal. Sentia uma dor latente na cabeça como se ela estivesse prestes a explodir e então eu morri.

Anjo MeuOnde histórias criam vida. Descubra agora