Ter Deus como pai era irritante. Ele sempre achava que tudo tinha uma ponta de bondade e sempre vinha com aquela história de que tudo tem o seu tempo, seu porque e eu simplesmente não tinha tempo para seus sermões de que tudo foi feito por um propósito e blá blá blá. 400.000 anos ouvindo a mesma coisa enche o saco. Eu estava decido a fazer uma coisa: dar o fora dali. Mas não sem antes falar tudo que eu tinha para falar. Ou como vocês dizem, lavar a roupa suja.
— Você é inacreditável, sabia? Isso poderia e ainda pode estragar a missão.
— Dentre todos os meus filhos, depois de Lúcifer, você é o que mais menosprezava os humanos. Não queria lhe dar o mesmo destino que dei a seu irmão.
— AAAAH, VOSSA EXCELENTÍSSIMA SANTIDADE, EU PASSEI TRÊS MESES COM ELA NA TERRA. CONVIVENDO E APRENDENDO COM OS HUMANOS. SE TIVESSE PRESTADO ATENÇÃO E SAIDO DO SEU LINDO JARDIM POR 3 MINUTOS, VOCÊ VERIA. MAS NÃÃÃO, DEUS NÃO PODE SE DAR AO TRABALHO DE PRESTAR ATENÇÃO NAS COISAS.
Meu pai apenas riu como ele sempre fazia quando eu me irritava com nossas discussões.
— Sabe como os cupidos funcionam? – Deus ficou sério novamente como se seus lábios nunca tivessem se mexido. – Pois bem, eu digo a você. A fecha dos cupidos só funciona se você tiver sentimentos pela pessoa. Os cupidos não fazem o amor do zero. Eles afloram. Você já amava os humanos. Só precisava perceber isso.
— Pai, acho que nós não estam...
— Você já gostava dos humanos, queria ser livre igual a eles. Os cupidos só fizeram você enxergar isso.
Meu pai realmente não sabia que fui atingido por uma flecha de amor afetivo. Pelo que eu conseguia entender, os cupidos haviam errado nas flechas.
— Pai você... precisa ver um jeito de reverter isso.
— Não posso Lucas, não tenho esse poder.
— Como assim “não tem esse poder”? Você é Deus, O Todo Poderoso! Pode fazer um dilúvio mas não pode reverter uma flecha atirada errada?
— O processo é irreversível. O amor é irreversível, eu não tenho o poder de muda-lo.
— E o que faço agora? – Passei uma das mãos pelo rosto.
— Não é o fim do mundo, Lucas. Vá! Viva entre eles, ame-os enquanto pode.
Meu pai não estava compreendendo a gravidade da situação, mas resolvi deixar ele acreditando que meu desespero era apenas por amar os humanos em geral. Não sabia o que podia acontecer caso ele soubesse a verdade, mas tive um pressentimento ruim sobre isso.
— Pai? – Chamei olhando para a grama.
— Sim?
— Enquanto a minha Guarda? Por que deu o comando dela a Uriel? Você não deveria tê-lo punido?
— Ele ficou exilado por 3 meses mortais no Limbo. Quando ele saiu, me pediu perdão e disse que queria se redimir. Então disse a Uriel que continuasse fazendo o seu trabalho enquanto você estava em campo.
O silêncio tomou conta do jardim após as palavras de meu pai. Os raios de sol aqueciam a minha pele enquanto eu olhava para Deus.
— Você ouviu, não ouviu?! Eu gritando que ia mata-lo. Por que não me puniu?
— Sim filho, eu ouvi. Uriel não foi mais o mesmo desde que criei você. A inveja a cada glória sua o tomaram. Sabia que isso aconteceria, só não sabia que seria pela sua espada.
— E me tornou Arcanjo por isso?
— Não. Te tornei Arcanjo por causa de seu irmão, Lúcifer. Você ira enfrenta-lo e vai precisar ter um poder equivalente ao dele para isso.
— Enquanto a Chave? Por que não a pega você mesmo?
— Não posso. É um objeto impuro, só anjos caídos podem por as mãos nela.
— Você sabe que isso soou pejorativo não é? – Sorri. – Pode me levar de volta agora?
— Quer mesmo voltar agora? – Assenti. – Não era seu desejo ficar? Sabe filho, você pode abortar a missão se quiser. Não é obrigado a ter...
— Preciso proteger Diana.
Deus apenas sorriu deixando aparentemente as linhas de expressão em volta dos olhos. Uma pontinha de orgulho surgiu em seus olhos e ele disse:
— Que seja feita a sua vontade então, meu filho.
Meu pai sorriu para mim mais uma vez e quando eu pisquei estava na sala de casa novamente.
Lá fora os raios de sol surgiam preguiçosamente por entre as nuvens, adentrando na casa pelas janelas. Me levantei calmante do chão, embora minha cabeça quisesse fazer uma representação de Nagasaki. O gesso do meu braço esquerdo tinha sumido do meu braço misteriosamente e descobrir que havia sido atingido pela flecha errada, me deixou sem defesas.
“O processo é irreverível. O amor é irreversível.” meu pai disse. Mas eu não me importava. Talvez eu não quisesse mais corrigir esse “erro.”
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Anjo Meu
Fantasía🔹TRILOGIA ANJO MEU - LIVRO I🔹 "[...] ela estava concentradíssima em limpar meu ferimento. Seus olhos castanhos escuros estavam focados e sua expressão mesmo séria, não conseguia esconder a garota alegre e divertida que ela era; seus lábios, os qua...