LIV - Aprendi a rezar

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A fonte de Josué tinha poderes altamente curativos. Muito mais poderosa do que a auto-cura dos anjos, mas nenhum anjo a usou de fato. Nunca precisamos. Não até aquele momento.
Eu não colocava os pés no Céu desde a minha queda, que pareceu acontecer a milhares de anos. Tudo estava do mesmo jeito. Os anjos sentinela na torre de vigia começaram a perceber que eu não era apenas mais um anjo voltando para casa. Tinha algo mais. Logo me vi cercado por dois deles e a raiva juntamente com o desespero me deixaram prontos para explodir o Céu inteiro se fosse preciso.

— Ela não pode estar aqui. – Disse Elias com frieza.

Não respondi. Apenas tentei continuar meu caminho em direção a fonte, mas ele pousou as mãos no ar em sinal de pare.

— Saia da minha frente, Elias. – Disse com rispidez.

— Não posso, General. Tenho ordens diretas de...

— Não estou nem ai para suas ordens diretas. Vou passar com ela. Nem que eu tenha que parti-lo ao meio para isso.

Fixei meus olhos verdes cobertos de uma mistura de raiva, angústia e determinação no sentinela. Elias sabia que eu não estava brincando e tampouco hesitaria quando falei que o partira ao meio se preciso. Mesmo assim, ele manteve a posição.

— Não vou pedir novamente, Elias. Saía. Da. Minha. Frente!

Ele não se moveu. Foi a gota d'água para mim. Olhei fixamente nos olhos castanhos de Elias e o tom azul raivoso assumiu meus olhos mais uma vez. Apertei levemente os olhos e Elias começou sufocar. A essa altura, outros anjos se aproximaram para ver o que estava acontecendo e abafaram os gritos incrédulos quando viram Diana nos meus braços.
Elias caiu de joelho no chão com as mãos sob o pescoço. Eu estava com raiva extra, queria matá-lo, mas então parei de sufocá-lo com o brilho azul dos meus olhos se esvaindo. Elias puxou o ar aliviado e eu me virei para a multidão alada que tinha se formado.

— Mais algum anjo pronto para cumprir sua ordem, quer me impedir de chegar até a fonte?

Nenhum deles se mexeu ou abriu a boca.
Passei por Elias e segui meu caminho em direção a fonte que estava a uns passos de distância.
A fonte era uma grande bacia de pedras cinza claro – como em um poço – com água prateada brilhando a luz do sol poente. A água brotava de uma coluna – também de pedra cinza claro – que ficava ligada a ela.
A água, apesar de brilhar a luz do sol, tinha uma névoa. Como se ela estivesse quente.
Coloquei Diana dentro da fonte, – submergindo todo o corpo, exceto a cabeça – me ajoelhei perto dela e esperei. Esperei que sei lá, eu colocasse Diana lá dentro e ela saísse me xingando aos montes porque eu a tinha molhado, mas nada aconteceu. Diana não se mexeu ou emitiu qualquer sinal de que estivesse viva e então senti uma mão no meu ombro.

— Não é tão simples assim, caçula. – Disse-me Gabriel com uma voz acolhedora. – Você tem que pedir a Josué que salve a vida dela, que a cure.

— Como... – minha voz falhou – como faço isso?

— Simples. Diga a Josué porque quer que ela viva,  porque ela é tão importante na sua vida.

Gabriel se afastou e se juntou aos outros anjos. Olhei para o corpo inerte de Diana e eu sentia tanta culpa, estava tão desesperado que senti meu coração ficar pequeno. Respirei fundo e fechei os olhos pronto para pedir pela vida dela, mas então me ocorreu uma coisa: eu nunca havia rezado antes.
Pensei em todos os momentos que tinha passado com Diana, todas as coisas que havíamos passado. Pensei nos lugares que tínhamos frequentado: restaurantes, parques, lojas, shoppings, uma festa... todas a lembranças calorosas e felizes de todos esses lugares e momentos. Pensei em todos os sentimentos que ela me causava. Irritação, proteção, carinho, amizade, perturbação... amor. Pensei na sensação que o sorriso dela me causava, no que ela me causava. E então me ocorreu o porque eu queria salvá-la. Estava estampado na minha cara.

— Josué, peço que a salve. Tudo o que aconteceu... o que ela fez...f oi por uma boa causa e culpa minha. Peço que a salve porque... porque eu a amo. E preciso dizer isso a ela. Por favor...

A fonte de água começou a brilhar sob a recente luz do luar e então ondulou onde o ferimento de Diana estava. Ela olhou para mim e sorriu dizendo:

— Você é um péssimo anjo da guarda.

Anjo MeuOnde histórias criam vida. Descubra agora