LXII - Visitei uma velha amiga

3.9K 397 22
                                    

Os meninos entraram segurando os arcos de madeira com toda a força que podiam. Após a porta se fechar, fiquei parado no corredor iluminado por tochas, pensando no que acabei de ouvir. Minha cabeça estava prestes a explodir, eu precisava de um tempo. Sai da Casa de Deus e fui direto para o cemitério dos anjos.
Fazia muito tempo desde a morte de minha Tenente, Muriel. E eu nunca tive a chance de me despedir dela.
O cemitério dos anjos era um enorme gramado verde com milhares de lápides colocadas geometricamente uma ao lado da outra. Fazendo muitas linhas e fileiras a perder de vista.
Andei por entre as muitas lápides de mármore cravadas na Terra até parar defronte para uma com letras de bronze entalhadas nela que diziam:

Muriel
Tenente da Guarda Celeste.
☆ 406, D.C. - † 2018, D.C.


Os primeiros raios de sol começaram a nascer por entre as nuvens. A brisa da manhã balançou as folhas das árvores e alguns fios do meu cabelo. A lembrança de Muriel era dolorosa demais, era viva demais. Fechei os olhos e me lembrei de uma conversa que tivemos um dia antes da Batalha do Purgatório.

“ — Amanhã – disse sonhadora – vai ser minha primeira Grande Batalha!

— Está animada com isso?

— É claro, General. Esperei por isso desde de que fui criada.

— Mas é isso que você quer fazer até o fim dos tempos, Tenente?

— Não, claro que não. Quando chegar a hora, quero pedir para ser uma mortal.

— Quer virar humana? O que foi? Bati na sua cabeça forte demais no treinamento? – Sorri.

— Não. – Ela riu. – Mas acho os humanos incríveis!

— Muriel, olha para eles.

Olhamos abaixo de nós. Podíamos ver qualquer lugar do mundo do Céu, mas naquele momento olhamos para Manhattan. Estávamos sentados olhando para os humanos apressados lá em baixo. Muriel fechou os olhos e respirou fundo como se pudesse sentir o cheiro dos humanos, então abriu os olhos e sorriu.

— São incríveis, não são? – O tom de sua voz era sonhador.

— São humanos. – Falei com indiferença.

— São livres! Não tem que seguir ordens ou são obrigados a viver por milênios. São felizes! Não quer sair daqui um dia, General? Viajar, explorar, conhecer, viver – ela fixou seus laranja em mim –  amar... você não quer, sei lá, ser livre?

— Não me vejo fora daqui. Meu lugar não é lá.

— Você é rebelde, General. Tem a alma deles. Um dia, o senhor vai entender o que eu estou falando.

E ela se levantou me deixando olhando para Manhattan sozinho.”

O fato é que agora, depois que ela se foi, reconheci que ela estava certa. E eu não podia dizer isso a ela. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto ao lembrar dela. Suas palavras naquele dia não fizeram nenhum sentido. Mas agora, depois que conheci Diana, depois que Muriel morreu... eu entendia perfeitamente como ela se sentia, o que ela queria dizer. Muriel se sentia presa. Tinha o sonho de poder explorar o mundo mortal, tinha o espírito livre e morreu antes que pudesse viver seu sonho. E de alguma forma eu entendi que meu lugar não era no Céu. Não era na Guarda Celeste. Era na Terra, com os humanos.

***

Anjo MeuOnde histórias criam vida. Descubra agora