I - Porcaria de Humanidade

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Comecei a cair em queda livre. Não conseguia enxergar nada durante a queda a não ser uma camada de fogo em volta de mim. Senti minhas asas queimarem em minhas costas e minha graça se esvair. Eu estava virando humano.
Não, não, não, pensei. Humano não!
E então senti o impacto do meu corpo sendo jogado contra terra. Um zumbido alto invadiu meus ouvidos me deixando surdo por um breve período de tempo e meu braço esquerdo estava quebrado. Além disso, senti dores por todo o meu corpo humano fraco e inútil. Fiquei deitado sentido as dores e olhando para o céu, meu lar. Meu ex lar.
Minha visão estava turva mas tive vislumbre de um borrão de uma mulher me olhando de cima da cratera. Aos poucos minha visão foi ficando nítida e eu a enxerguei com clareza.
Ela era negra, cabelos pretos com cachos largos até a altura do ombro e seus olhos eram um castanho tão escuro que pareciam pretos. Eu sei que faltou detalhes da roupa que ela vestia e tudo mais, mas veja bem, eu tinha literalmente acabado de cair do céu.
Ela se abaixou tentado chegar mais perto cautelosamente (o que eu também faria se visse um cara no meio de uma cratera gigante).

— Cara, você está bem? – Gritou ela acima de mim.

Eu tentei responder, mas meu cérebro de anjo demorou a entender que ela falava inglês. Nós, anjos, falamos uma língua própria, porém somos programados para entender e falar qualquer língua do planeta.
Mas acho que a queda atrapalhou o raciocínio do meu cérebro ou a dor no meu braço me impediram de respondê-la rápido, então demorei a formar a frase completa.

— Sim, estou.

Tentei me levantar e achei melhor ficar deitado por um tempinho. Todos os ossos do meu corpo pareciam estar quebrados.

— Na verdade não... ai – reclamei – isso dói! Onde... onde eu estou?

— São Francisco, Califórnia. Por que você está sem roupas?

— Eu o que?

Olhei para mim. Eu realmente estava pelado. Tentei cobrir meu corpo exposto instantaneamente. Na hora não soube porque estava tentando esconder meu corpo perfeitamente lindo, mas não me senti confortável estando sem roupas no meio da terra na madrugada de São Francisco. Meu corpo parecia ser esculpido por Deus (o que literalmente foi o caso), ele era definitivamente angelical. Eu tinha os cabelos ondulados nem muito longos ou muito curtos, um par de olhos verdes que pareciam duas esmeraldas e um corpo perfeito. Nem músculos de mais ou de menos, na medida certa.
Então a lembrança da queda me atingiu rapidamente fazendo eu me dar conta do porquê tentava esconder meu corpo. Eu me sentia envergonhado. Eu, um anjo, com vergonha do próprio corpo. Isso era ridículo. Porcaria de humanidade, tentei dizer. Mas estava fraco demais para reclamar.
Vendo o meu desconforto, a moça tirou seu casaco e jogou para mim. Admito que tendo coberto as partes que bem...não deveriam estar à vista no meio da rua, me senti muito mais confortável.

— Consegue levantar? – Gritou ela novamente.

Fiz um esforço enorme para me levantar e ignorei a dor apesar de ser muito forte. Eu era um anjo e não seria um braço quebrado que me impediria de ficar de pé. Usei meu braço direito de apoio e me impulsionei para frente. Mas me arrependi assim que senti as dores por todo o corpo e quis me jogar de volta no chão quando fiquei finalmente de pé. E como se isso não bastasse, comecei a me sentir tonto e minha visão escureceu mas continuei me forçando a escalar a cratera com um casaco amarrado na cintura servindo de vestimenta. Quando cheguei perto do topo a garota me estendeu a mão e me ajudou a subir o pedaço que faltava.
Minha queda provocou a falta de energia total em São Francisco e os carros no raio da queda ficaram malucos com seus alarmes disparados e janelas e parabrisas quebrados. Se fosse um dos Arcanjos o estrago seria maior mas para um General Angelical eu estava relativamente feliz. Tinha sido um bom estrago.

— Como você caiu lá? – Ela apontou para a cratera.

— Eu não cai. Fui derrubado em um combate.

— Acho que você perdeu.

— Deveria ter visto o outro anjo.

— É, – ela riu – acho que ele ficou todo... espera, outro anjo? Você quis dizer outro cara.

— Não, outro anjo mesmo. Arcanjo na verdade.

- Acho que você bateu a cabeça.

Eu acho que você não entendeu o que eu disse, eu abri a boca para falar mas tudo começou a sair de foco e eu comecei a me sentir fraco novamente e então caí de joelhos na terra. Ela foi até mim e me segurou nos braços para impedir que eu caísse de cara no chão.

— Eii, não desmaia agora não. Acorda!

Não conseguia falar.

— Conversa comigo... hããã, qual o seu nome?

— L-Lucas. – Consegui dizer finalmente.

— Oi Lucas, me chamo Diana. Diana Müller. Em que você trabalha?

— G-general. – Fechei os olhos.

— General. Nossa, você é importante. Não, não, não! Não dorme agora não. Lucas? Lucas acorda! – Ela me chacoalhava e dava tapinhas de leve no meu rosto.

Eu tentava responder, mas a voz dela estava ficando cada vez mais longe e meus músculos estavam relaxando. Abri os olhos de relance e pude ver ela sorrindo e falando alguma coisa, mas eu não conseguia mais ouvi-la e então eu desmaiei.

Anjo MeuOnde histórias criam vida. Descubra agora