Prólogo

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Às vezes duvido se
uma vida calma e tranquila
teria sido conveniente para mim - e no entanto
às vezes anseio por isso.

____ Byron

1971.

____ Por favor, mamãe. Pare. Por favor.

____ Você é desobediente. Você merece apanhar muito.

____ Por favor, mamãe. Não me bata com mango (chicote para surrar cavalo).

____ Você tem que apanhar para você aprender. Só assim você será mais obediente.

Lembro-me que na ocasião eu apanhei até desmaiar. Meus avós paternos ficavam revoltados:

____ Por que fazer isso, Ana? ____ pergunta minha avó, chocada. ____ Por que fazer isso com essa menina?

____ Não se metam. A filha é minha. Se eu quiser, eu mato.

____ Ela não merece isso, Ana. Ela é muito pequena para apanhar desse jeito. ____ disse meu avô, Pedro.

____ Vocês não se metam. Deixem eu educar minha filha como eu quiser.

E assim era minha rotina, desde que eu me conheço por gente. A qualquer momento, a partir da mais tenra idade, trê aninhos, eu sofria com a maldade da minha mãe. Lembro-me, a partir dessa época, as surras de chicote largo (que pertenciam ao meu avô paterno) que minha mãe utilizava para me bater. Eram raros os dias que ela nada fazia para me maltratar, mas principalmente quando meu pai estava ausente. Ele viajava frequentemente e não permitiria que ela me batesse quando ainda era tão pequena e frágil. Nessa idade, eu era muito magrinha, cabelinhos loirinhos e cheios de cachinhos, com olhinhos verdes e boquinha em formato de coração, segundo as fotos que vejo.

Morávamos num povoado no interior do Brasil. Meu pai e meu avô eram sócios num comércio de secos e molhados, que era o único nas redondezas, por isso atraía a clientela de todos os sítios, chácaras e fazendas ao redor. Além desse comércio, meu pai possuía uma cerealista e criação de porcos, por isso viajava tanto. Além de vender os cereais e os porcos para as capitais, fazia compras em São Paulo, a fim de abastecer a loja da família. Resumindo, minha família era muito abastada nessa época. Ninguém acreditaria nos maus-tratos por mim recebidos, pois estava sempre vestida como uma princesinha.

Sentia-me muito triste quando estava com minha mãe. Meu cabelinho era cheio de caracóis e ela os queria alisados, por isso forçava a escova para desembaraçá-los e se irritava profundamente por ter que penteá-los; muitas vezes, batia em minha cabeça com a própria escova. E se eu chorasse ela gritava:

____ Engula esse choro, senão você apanhará mais.

1974 a 1976.

Minha alegria começou quando fui morar com meu avô materno, que me mimava e tratava com muito carinho, além da minha tia e tio solteiros. Meu avô era casado pela segunda vez e ela não era minha verdadeira avó. Eu a chamava de tia. Mas o carinho que tinha por mim era como de uma verdadeira avó.

Fui morar com eles aos seis anos. E aos finais de semana, ia para casa ver minha família. Aí era meu tormento.

Na casa de meu avô, costumava dormir até às onze horas da manhã e minha avó postiça sempre me esperava com um café da manhã prontinho. Apó isso, fazia minhas tarefas de casa, brincava um pouco com minha amiguinha, que era vizinha e, depois do almoço, ia para a escola.

Minha avó postiça era engraçada: quando chovia, ela não me deixava ir para a escola. Dizia:

____ Isadora, faça cópia da lição da cartilha e está bom por hoje.

IsadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora