Capítulo Quatro

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Com quinze anos, em 1983, meus tios e o restante dos meus parentes resolveram que eu deveria debutar.

Na cidade pequena onde eu nasci e onde meus parentes moravam ainda preservava-se essa cultura.

Então, mandaram confeccionar um lindo  vestido branco com camadas de tules para dar volume à saia e um avental de organza todo bordado. Era realmente muito lindo. Com renda no decote e babado.

Para minha sorte, meu pai estava muito longe numa viagem com caminhão; pois, se fosse por ele, eu não debutaria.

No dia do "debut", eu fui levemente maquiada, pois minha pele era fresquinha, sem espinhas, nem manchas. Perfeita. Minha mãe ficou o tempo todo junto para que não me maquiassem, porque ela não admitia que uma menina de quinze anos fosse maquiada. Também não deixou eu usar salto como as outras debutantes, apenas um saltinho baixo branco, combinando com o vestido. 

Também foi providenciado por eles que um sobrinho do meu tio por consideração, casado com minha tia Graça, fosse meu par. Um rapaz bem apessoado, mas meio safado.

Durante a volta de apresentação, cada jovem era chamada e, ao pé da escada, o pai a esperava para desfilar com ela por todo o salão. O meu tio foi no lugar do meu pai.

Daí teve a segunda volta que eu fazia sozinha e levava um buquê de flores para a minha mãe. Também era o momento de sermos presenteadas com um anel de ouro por uma joalheria conhecida na cidade.

Depois, tinha a dança com o pai, que o meu tio substituiu, e, por fim, a dança com o par.

Durante a dança com o par, o Fernando deu um beijo na palma da minha mão. O que eu achei de extrema ousadia e fiquei com muita vergonha, devido à minha terrível timidez, pois achei que ele estava insinuando que queria algo mais.

Enfim, achei muito divertido participar do baile. Foi realmente algo diferente em minha vida triste e atribulada.

Quando retornei à minha cidade e aos meus estudos, contei somente para o Renan sobre o debut. Ele achou muito legal eu ter participado, pois sempre me incentivava a sair da minha concha.

Um dia, na sala de aula, sofri tanto bullying que saí da sala e fiquei lá fora até a aula acabar. Tentava ao máximo ignorar as provocações, mas como eles percebiam que me afetava, continuavam. Bullying era uma palavra apropriada para a ocasião, pois é um termo da língua inglesa (bully = “valentão”) que se refere a todas as formas de atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa. E era exatamente isso o que estava acontecendo comigo, nessa turma.

Outra situação penosa que eu passei no colégio foi uma sacanagem que fizeram comigo. Pegaram uma foto três por quatro que eu carregava no meu estojo e escreveram "Amo-te"  e deixaram na carteira do Renan.

Fiquei para morrer de vergonha. E ele quis conversar comigo para saber se era verdade. Então ele me mostrou a foto e eu afirmei:

____ Isso não é verdade, Renan. Para mim, nós somos amigos.

Não sei se ele ficou aliviado, ou chateado, mas não ficou muito satisfeito.

E eu não tinha coragem de brigar com as colegas por terem feito isso comigo, pois eu tinha medo de tudo e de todos. Não tinha coragem de reclamar ao diretor, pois iriam me odiar ainda mais. E, além de tudo, eu sentia vergonha pelo que faziam comigo.

Infelizmente, eu cresci acreditando que não valia muita coisa; por isso, no meu âmago, eu não me sentia digna de ter uma vida boa. Eu achava injusto, mas ao mesmo tempo, minha autoestima era muito desvalorizada. Aquilo que as pessoas falavam de bom para mim era sobrepujado pelas coisas vis a que eu era submetida diariamente. Palavras bondosas não surtiam o efeito desejado. A pena que alguns sentiam por mim me machucava. Queria ser reconhecida por algo bom em mim. Porém, a pouca idade e inexperiência ne tornavam uma presa fácil para os algozes.

IsadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora