"Embora frequentemente maravilhosa criança de emoções intensas, volúvel quando menina, a princípio gravemente deprimida na adolescência..." ____ citação do livro "Uma Mente Inquieta". Kay Jamison
1978-1979.Naquele ano me mandaram para a casa da minha verdadeira avó materna, o que foi outro choque porque ela era uma estranha para mim. Pouco nos víamos, sem contar meu avô postiço, um polonês muito rígido que mantinha as rédeas curtas em tudo ao seu redor.
Tinha nove para dez anos, mas desta vez meu irmão foi comigo. Ele tinha apenas seis anos. Éramos muito unidos, o que tornou mais fácil a adaptação.
Minha avó Carmen teve uma quarta filha com o segundo esposo, Lauro. Seu nome era Carla. Consequentemente, minha tia; porém, era um ano e meio mais nova que eu. Ela e meu irmão logo embarcaram numa excelente amizade o que lhes renderia boas aventuras. Eu já fui mais resistente, porque já havia passado por maus bocados na minha curta vida.
Minha avó não era daquelas matriarcas amáveis, que fazem tudo o que os netos queriam. Ela era bondosa em alguns momentos e rígida em outros. Foi uma grande lição ter morado com ela. Para tudo havia um tempo e, como ela realizava trabalho voluntário à tarde, eu aproveitava para brincar com a vizinha, pois minha tia e meu irmão iam para o colégio, que ficava do outro lado da rua.
Como era bom brincar naqueles verões amenos, ou mesmo nos dias frios e ensolarados. Minha avó não via minhas artes, mas quando me mandava à padaria, eu ia andando por cima dos muros largos das casas daquela cidade antiga que, na minha época de criança, já tinha mais de setenta anos. Hoje, tem mais de cem anos. Assim, andando sobre os muros, eu chegava mais "facilmente" à rua de cima, andava mais um pouco e chegava à padaria com cheirinho de pão fresquinho, logo pela manhã.
Pelo muro também ia à minha vizinha, assistir "Jeane é um Gênio', "Samantha" e alguns desenhos, pois minha avó não tinha TV. Ali, também, junto com a Cris, fazíamos nossas tarefas de escola e brincávamos de casinha ou pulávamos corda. Tempo bom aquele.
A única vez que apanhei, enquanto estive lá foi do meu avô postiço, por eu ter saído do castigo. Não achei justo o castigo e saí. Então, como consequência, levei uma surra. Havia na família da minha avó o costume de colocar de castigo de joelhos num canto da sala por alguma coisa que deixou de fazer e tinha que ser aproveitado esse tempo para estudar a tabuada. Não gosto de tabuada até hoje.
Não preciso nem dizer que eu ficava sempre de castigo, não por ser desobediente, mas por qualquer bobagem que uma criança vivaz deixa escapar.
Após meio ano, meu irmão voltou para casa. Fiquei triste. Eu não tinha completado dez anos ainda.
Eu fiquei mais um ano e meio morando lá. Um legado que minha avó me deixou foi o hábito de estudar a Bíblia, que conservo até hoje. Ela ficava horas contando histórias bíblicas para mim. Eu tinha uma curiosidade aguçadíssima. Eu queria saber os porquês de tudo e ela tinha paciência de me ensinar.
Ainda bem que eu tinha avó, senão teria que descobrir sozinha o que era menstruação e virgindade. Minha avó e minha tia materna explicaram para mim e para minha tia mais nova assuntos que eram tabus para a minha mãe.
Mais ou menos nessa época, perguntei para minha mãe:
____ Mãe, como uma mulher faz para não ter filho?
Ela me respondeu:
____ Evitando.
____ Como assim, evitando?
E ela deixou a pergunta sem resposta. Como eu vim a descobrir tudo isso? Numa enciclopédia sobre relações sexuais que ela tinha em casa. Eu devorava. Foi melhor do que aprender na rua.

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Isadora
No FicciónÉ possível uma pessoa vencer diante de obstáculos, como um transtorno de personalidade, causado por maus-tratos na infância? É possível alguém suportar uma grande dor e decepção? Isadora conta sua trajetória desde sua mais tenra infância. Por favo...