Capítulo Trinta e Sete

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E então 2009 se foi e eu nada de melhorar ainda, mas chegou 2010 e eu levei o ano  inteiro para ficar equilibrada e com ele meu adeus ao meu anterior modo de vida. Agora eu estava medicada. Sabia que as recaídas seriam menos severas.

Li muito a respeito do assunto e descobri que o emocional abalado é fruto de um desequilíbrio químico no cérebro, que envolve vários neurotransmissores, como a serotonina, a noradrenalina e a dopamina, além de muitos outros.

Mas há estudos ressentes que mostram que os traumas, muitas vezes, são os responsáveis por esse desequilíbrio cerebral.

Segundo o site Aleteia, "Traumas de infância são muito mais comuns do que gostaríamos de acreditar.

Uma série de estudos realizados por psicólogos da Duke University Medical School revelou que 78% das crianças relataram ter experimentado mais de uma experiência traumática antes dos 5 anos de idade. A partir dos 6 anos, 20% relataram experiências traumáticas, variando desde abuso sexual a negligência emocional, exposição a violência doméstica e perda traumática.

Pessoas que sofreram um trauma de infância também podem vir a desenvolver um transtorno de estresse pós-traumático complexo (PTSD-C), um problema caracterizado por dificuldades na regulação emocional, percepções distorcidas de abuso, dificuldades nas relações interpessoais e somatização.

No entanto, muitas vezes essas pessoas não estão conscientes de que têm um problema cuja origem se volta para a infância. Eles acreditam que deixaram seu passado para trás, mas isso os persegue inconscientemente.

Como um trauma da infância influencia na formação da identidade?

A formação de identidade é um processo complexo que ocorre ao longo da vida. A construção da identidade, incluindo o sentimento de ser suficientemente bom, a capacidade de integrar harmoniosamente emoção e razão, a consciência básica do estado emocional, sentir-se seguro e saber quem somos realmente, é afetada pelos traumas de infância.

O que acontece é que a sobrevivência básica prevalece sobre o desenvolvimento equilibrado do "eu".

Um trauma em tenra idade pode mudar o desenvolvimento do cérebro. De fato, sabe-se que um ambiente onde prevalece o medo e a negligência gera diferentes adaptações dos circuitos cerebrais, em comparação com um ambiente onde a criança se sente segura, protegida e amada. E o pior é que, quanto mais cedo essa angústia for vivenciada, mais os efeitos serão profundos e duradouros.

Portanto, muitas vezes a identidade de um adulto que sofreu traumas de infância está organizada em torno da necessidade de sobreviver e alcançar um nível básico de segurança em suas relações com os outros. Isso o leva a um ciclo vicioso no qual, por um lado, revive experiências desencorajadoras e traumáticas e, por outro lado, tende a evitar experiências orientadas para o crescimento.

Pessoas nessa situação identificam-se muito com um "eu traumático", à custa de um sentido mais inclusivo e flexível de si mesmas. Eles se desprendem do seu ambiente e de si mesmos desde o início, como um mecanismo de sobrevivência, e podem permanecer desconectados de si mesmos durante a infância, adolescência e até mesmo na vida adulta, depois de saírem do ambiente tóxico. Na prática, eles continuam experimentando a necessidade de sobrevivência."

Em quase toda a minha vida, eu me senti assim, dissociada da realidade. Foi um mecanismo de fuga, para não sofrer demais. Eu era taxada pelos outros como "desligada", "no mundo da lua". E por alguns, como bobona, que nunca sabia dar uma resposta a quem quer que me ofendesse.

Além de me desprender de mim mesma, quando eu não suportava mais, meu alívio era o choro. Mas eu nunca, durante toda a minha infância, queixei-me com alguém. Sem a mínima maturidade, porém, instintivamente, eu sabia que não acreditariam em mim. E quanto àqueles que viam meu sofrimento, eu não admitia ser vista como "coitadinha" por eles. Não queria que sentissem pena de mim, mesmo quando eu era muito pequena. Eu queria ser forte. Na realidade, eu era, mas não sabia. Não entendia por que eu sofria tanto. Por que as outras crianças eram felizes? Por que eu não poderia ser? O que eu fizera de tão errado assim, a fim de merecer tantos castigos? Essas coisas não saíam da minha cabeça.

Com o tempo, mais especificamente, a partir dos dez anos, eu encontrei um escape: o estudo. Queria ser uma ótima aluna, uma ótima profissional, para um dia eu me livrar dessa infelicidade.

Passei por maus bocados na vida. Relações interpessoais foram meu maior desafio. No entanto, profissionalmente, eu era exemplar.

Muitos veem a brandura e a paciência como fraquezas. Mas a verdade é o contrário: só pessoas fortes têm essas qualidades.

Pois, foi assim que mostrei minha força: com suavidade, com paciência e com bondade. Fazia pelos outros o que não fizeram para mim. Mas eu precisei de muito tempo, para chegar nesse ponto de equilíbrio. Isso só aconteceu em 2011.

Naquele ano, voltei a trabalhar e arregacei as mangas de verdade. Não poderia dizer que estava curada, pois teria que tomar os medicamentos para o resto da vida. E são muitos. Mas, eu não penso em parar, pois sei quais são as consequências.

Com o tempo, a risperidona tornou-se ineficaz. Chegou um momento em que o medicamento que eu estava tomando, o principal estabilizador, me deixava inerte, quanto aos sentimentos. Não sentia nem tristeza, nem alegria. Eu tinha um humor único. Além disso, ele começou a dar outro efeito colateral: desenvolvia em minha hipófise o hormônio do leite, a prolactina, o que poderia aumentar o meu tumorzinho na hipófise. A endocrinologista fez os exames e pediu para o psiquiatra retirar esse medicamento.

Por fim, depois de tanto testar qual seria o medicamento principal mais adequado para estabilizar o humor,  o médico receitou o aripiprazol. Com poucos efeitos colateriais, ele só tinha o problema de ser caro, mas era o mais moderno para o caso. Então, meu humor passou a ser normal, com o tempo: alegria e tristeza, conforme cada situação.

E os anos foram passando, meus filhos crescendo e meu humor cada vez melhor. Às vezes, acontecia uma recaída da depressão, mas era controlada rapidamente pelo médico, que aumentava o antidepressivo  conforme a necessidade.

E nosso relacionamento como casal? O Davi tinha essa mania horrível de me controlar, traumatizado pelas coisas que já haviam ocorrido e eu ficava infeliz e furiosa com essa desconfiança; porém, na cama  a conversa era outra. Sentíamos muito prazer um com o outro. Casa vez mais afinados, completamos vinte e cinco anos de casados em 2016. E eu tive uma surpresa muito agradável.

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Estou feliz e triste ao mesmo tempo, por estar chegando ao fim da nossa história.

Fico feliz quando vocês comentam e me mostram o que estão pensando da nossa protagonista.

Sei que sofreram muito junto com ela, mas como ela, vocês perseveraram e continuaram lendo a história. Só tenho a agradecer a vocês por isso.

Meu sincero e caloroso muito obrigada por me acompanharem nesta jornada.

Temos mais um capítulo, provavelmente, e o epílogo.

Beijo enorme no coração de cada uma de vocês que ama a Isadora e torce por ela.

30/08/2019


IsadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora